O consultor em patentes esteve em Seattle, WA no último 15 de maio para a reunião Spring Meeting da AIPLA a Associação Americana de Propriedade Intelectual.
A seguir os temas mais discutidos no evento da AIPLA SM 2018:
Artificial Inteligence – AI
Um dos temas mais abordados entre programadores, técnicos e TI e engenheiros de software no mundo inteiro é a “inteligência artificial” e seus temas coligados: machine learning; deep learning; autonomous driving; dentre outros.
É assustador o quanto esse tipo de tecnologia evoluiu na última década. No início do ano a Google revelou o Google Assistant, um software de inteligência artificial capaz de substituir com perfeição o trabalho de uma secretária no agendamento de reservas em restaurantes e salões de beleza via conversação pelo telefone, em tempo real (clica aqui).
Há pouco tempo atrás — há dois anos para ser mais preciso — a Tesla lançou um veículo autônomo capaz de dirigir sozinho sem qualquer input humano, com total segurança e com níveis de velocidade comuns a qualquer cidade ou estrada (clica aqui).
O campo da Inteligência Artificial tem avançado tanto, que a grande questão da ciência hoje não é se ela irá superar a inteligência humana sendo capaz de substituir o ser humano em qualquer atividade. A grande questão hoje é quando ela irá alcançar esse feito e com que nível de segurança isso será alcançado (clique aqui clique aqui também).
Não bastasse esse ser um grande tópico nas ciências digitais, a inteligência artificial também é um grande tema hoje em propriedade industrial. As perguntas mais frequentes que surgem com relação a esse tema na seara da propriedade industrial, são:
– existe atividade inventiva nas construções realizadas por inteligência artificial?
– de quem é a invenção, quando o computador é da empresa A, o software é da empresa B e quem idealizou o produto final e treinou a AI de um determinado software foi a empresa C?
Uma rápida resposta à primeira pergunta é: depende, desde que a inventividade recaia não na tarefa desempenhada pela Inteligência Artificial, mas nos inputs, no direcionamento e no treinamento dado pelo inventor humano que comanda a AI, entendemos que sim, que há atividade inventiva.
Uma rápida resposta à segunda resposta me veio não da AIPLA SM 2018, mas de uma palestra recém realizada pelo Escritório Finnegan em São Paulo, em que um de seus sócios respondeu a essa pergunta dizendo mais ou menos o que segue: “desde o princípio, o ser humano sempre utilizou ferramentas para realizar suas criações, de início utilizou pedras, depois machados, martelos, cinzéis, tornos rudimentares, furadeiras, até mais recentemente fazer uso de ferramentas de CAD e CAE no computador para criar novos objetos; a inteligência artificial deve ser entendida como uma ferramenta adicional nessa linha evolutiva, algo que auxilia mas não substitui o ser humano na construção de novos objetos; por esse motivo, a titularidade nesse caso deverá, a princípio, ser do inventor humano que comanda e fornece inputs à AI”.
Para saber mais sobre esse tema, sugiro uma leitura do seguinte artigo: (clique aqui).
Inter Partes Reviews
Inter partes review (IPR) é o procedimento de nulidade administrativa de patentes nos Estados Unidos, perante o USPTO. Após a concessão da patente, o terceiro interessado tem até nove meses para apresentar subsídios ao USPTO com a finalidade de obter a nulidade erga omnes do documento (clique aqui).
Como o sistema legal americano opera sob a égide do common law, as decisões da suprema corte daquele país causam muito mais impacto legislativo do que qualquer decisão vinda do congresso americano.
Neste sentido, a Suprema Corte Americana (SCA) acaba de analisar o caso Oil States Energy Services LLC v. Greene’s Energy Group que veio a discutir justamente a constitucionalidade do procedimento do inter partes review (Lance D. Reich e Helsell Fetterman / Oil States: Where Will the Supreme Court Draw the Line? 2018).
O argumento que foi analisado pela suprema corte era o fato de que, as patentes constituem um título de propriedade, e como tal só poderiam ser anuladas após um processo analisado por um juri, tal como determina a constituição americana para a destituição de qualquer espécie de propriedade pertencente a um residente americano.
No caso concreto, a SCA declarou o IPR constitucional, por entender que a propriedade conferida por uma patente era uma propriedade peculiar, que não se comparava à propriedade de um bem móvel ou imóvel justamente pelo fato de que ela emanava de uma concessão realizada pelo próprio estado.
Quer saber mais: (clique aqui) ou (aqui)
Patentes de Organismos Vivos no mundo
De acordo com ALICE O. MARTIN, desde 1980 os Estados Unidos permitem o patenteamento de seres vivos:
In 1980 Diamond v. Chakrabarty opened the door for patentability of “living organisms.” The Supreme Court in J.E.M. Ag Supplies v. Pioneer Hi-Bred8, clarified that plants should receive full utility patent protection.
The United States is almost unique in offering utility patent protection to plants per se, provided the plant variety satisfies the same requirements as any other invention. [novelty, non-obviousness, utility, enablement, written description.] Based on personal experience, examination of USPTO portfolios of various applicants, and some plant patent applications prosecuted during 2012-2017, many patents are obtained on plants per se, but other plant related applications still face many hurdles. (Alice O Martin GROWING, GROWING, GONE?THE INCREASING CHALLENGE OF SECURING WORLDWIDE PATENT PROTECTION ON LIVING ORGANISMS, 2018)
Alguns casos específicos de indeferimento, segundo Alice, ocorre com base nos artigos 35 U.S.C. §112 e103.
35 U.S.C. §103. CONDITIONS FOR PATENTABILITY: NON-OBVIOUS SUBJECT MATTER. A patent for a claimed invention may not be obtained, notwithstanding that the claimed invention is not identically disclosed as set forth in section 102, if the differences between the claimed invention and the prior art are such that the claimed invention and the prior art are such that the claimed invention as a whole would have been obvious before the effective filing date of the claimed invention to a person having ordinary skill in the art to which the claimed invention pertains. Patentability shall not be negated by the manner in which the invention was made.
35 U.S.C. 112 SPECIFICATION.(a)In General.—The specification shall contain a written description of the invention, and of the manner and process of making and using it, in such full, clear, concise, and exact terms as to enable any person skilled in the art to which it pertains, or with which it is most nearly connected, to make and use the same, and shall set forth the best mode contemplated by the inventor or joint inventor of carrying out the invention.
Segundo Cristian D. Bittel, em toda a América Latina, com exceção do Chile, as variedades de seres vivos (incluindo micro-organismos e plantas) são patenteados apenas no que tange aos organismos transgênicos.
The criteria applied in Argentina are representative of the general situation in Latin America regarding the patentability of isolated material, plants, animals and microorganisms. One remarkable exception is Chile, where isolated microorganisms, as well as modified plant cells are considered as patentable subject matter.
The majority of the Latin American countries are signatories of the Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS) agreement. […] and in general apply most or all the patentability exceptions that TRIPS allow. In line with this, plants and animals are not patentable throughout the region. However, biotechnological processes for producing a protein, generating new genes or transgenic organisms (e.g. recombinant protein production, DNA engineering, directed evolution, transforming methods) are patentable, as well as animal cell lines, modified microorganisms, modified DNA, proteins, etc. (Cristian D. Bittel Patenting Living Organisms in the Latin American Region. An approach from the Argentine perspective. 2018)
No Canadá, segundo Daphne Lainson e Kevin Graham o patenteamento de seres vivos não encontra objeções legais. Um dos exemplos citados pelos autores é o caso de uma colônia de micro-organismos seletivamente criada para digestão de resíduos da produção de papel.
Over 35 years ago, in Abitibi Co., Re,97 the Patent Appeal Board found claims for a yeast culture specifically adapted to digest waste produced in the manufacture of pulp and paper to be patentable. Other single-cell life forms considered to be patentable include micro-organisms, yeasts, moulds, fungi, bacteria, actinomycetes, unicellular algae, viruses, or protozoa. (Daphne Lainson e Kevin Graham PATENTABLE SUBJECT MATTER IN THE LIFE SCIENCES: CANADA, 2018)
Na China, segundo Weiwei Han, nem mesmo os organismos transgênicos são patenteáveis:
According to Article 25.1(4), plant varieties are not patent eligible. Also, a transgenic plant is not patent eligible, either, which is different from the European practice. (Weiwei Han, Patenting Living Organisms in China, 2018)
Uso de Blockchain para a Proteção de Contratos
Blockchain é a tecnologia que está por trás do Bitcoin e de outras criptomoedas modernas. Blockchain é uma forma descentralizada de registro de dados, que faz uso da internet para distribuir e multiplicar registro de dados de uma forma escalonada. Cada novo usuário de uma rede Blockchain é um novo replicador de todos os dados armazenados na rede na qual ele se insere.
O sucesso da criptomoeda Bitcoin se deve sobretudo a essa nova tecnologia, que possibilitou um armazenamento de dados mais seguro e mais acessível a todos os seus usuários.
Não é de hoje que a tecnologia Blockchain vem sendo usada para armazenamento de outros dados. Além de criptomoedas, documentos de cartórios, diplomas universitários e muitos outros documentos importantes já foram alvo dessa tecnologia.
Agora o holofote se voltou para a área de propriedade industrial, quando o Blockchain começou a ser utilizado na elaboração de contratos na área de propriedade industrial.
Para saber mais: (clique aqui)
European Unified Patent Court
Um dos assuntos abordados nos corredores do evento (que até onde sabemos não foi alvo de discussão nos painéis apresentados na AIPLA) foi o Unified Patent Court, UPC na Europa. Nesse novo sistema, a ser implementado ainda em 2018 (no mais tardar em 2019) as decisões sobre infração e nulidade de patentes europeias serão tomadas em uma corte comum aos países membros, diminuindo os custos de litígio às partes litigantes, atualmente linearmente vinculado ao número de jurisdições onde a nulidade ou infração é discutida dentro da Europa.
Para saber mais: (clique aqui).
Backlog no Brasil
Esse também não foi um tema formalmente discutido em painéis do evento, mas um tema frequentemente abordado nos corredores.
Por ser brasileiro, as perguntas mais frequentes que recebi de advogados estrangeiros enquanto estive no congresso em Seattle, foram:
– (i) é verdade que o backlog do Brasil na área de patentes é de 13 anos?
– (ii) como anda a proposta de concessão automática pelo INPI de todos os pedidos de patente depositados no Brasil?
Ambas as perguntas vinham com uma expressão simultânea de surpresa e desdém. A mesma expressão que fazemos quando olhamos um bicho exótico no zoológico, geralmente acompanhada de olhos arregalados, sobrancelha levantada e um leve riso de deboche no rosto.
Nessa hora dá vontade de se converter em um avestruz e enfiar a cabeça em um buraco. Da vontade de apontar para um lado “olha aquilo ali!” e correr pro outro lado. Mas no final a gente se segura, mantem o jogo de cintura e fala qualquer coisa sobre patentes submarino, artigo 44 da LPI, fast tracks e outros argumentos que estamos cansados de usar para justificar que ainda vale a pena depositar pedido de patente no Brasil.
Concluindo
Não tivemos aqui o objetivo de discorrer profundamente sobre cada um dos temas elencados. O objetivo aqui foi apenas apontar os temas mais discutidos na conferência Spring Meeting de 2018 da AIPLA para que o leitor faça sua própria pesquisa no campo que mais lhe interessar.
Aguarde nossos futuros artigos, que deverão tratar cada um dos temas apresentados em maior profundidade e abrangência.
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