Um pedido de patente prafrentex!

O bom de trabalhar com patentes é que temos de lidar com inovação no nosso dia-a-dia. Evidentemente, não é sempre que a invenção mais disruptiva do mundo cai no nosso colo. Geralmente, as invenções que chegam à mesa do redator de patentes consistem em meras modificações incrementais em peças compreendidas por componentes abrigados no interior de máquinas bastante específicas. Boooooooooring!

Algumas vezes, por outro lado, o objeto de trabalho é muito mais mais inusitado do que inovador. Nem sempre temos o prazer de entrar em contato com o inventor desses casos. Muitas vezes eles aparecem naquilo que chamamos de busca de anterioridades, isto é, as pesquisas de técnicas anteriores para analisar o atendimento de novidade por uma determinada invenção. E foi assim, por acaso, que me deparei com o pedido de patente PI1012468-3 depositado em 2010 no INPI por um titular pessoa física brasileiro. 

O documento, intitulado “JOGO DE CARTAS PARA CASAL ADULTO” revela uma invenção que segundo o texto do pedido de patente cumpre a função de “conjugar as funções de diversão e memorização da fantasia sexual do (a) parceiro(a); facilitar uma via para sentir e saber o que mais lhes agradam; facilitar o encontro e a satisfação de seus desejos sexuais; dar meios, através das cartas, de expor suas ponderações e desejos; comparar ou trabalhar seus conceitos ou preconceitos e incentivar o uso de preservativos“.

O problema resolvido pela invenção: quebrar a monotonia sexual existente entre um casal.

A primeira reivindicação do documento — se prepare! que o negócio fica picante! — é a seguinte:

“Reivindicação 1 – Jogo de cartas para casal adulto caracterizado por ser um baralho composto de 33 (trinta e três) cartas, com 30 cartas de mensagens eróticas e 3 cartas de regras e instruções, sendo que 18 (dezoito) cartas terão mensagens centralizadas impressas na cor vermelha com seu número correspondente no alto, à esquerda a saber: 1 – Na cama, vestida sensualmente, tomo a iniciativa e/ou deixo de fazer tudo; 2 – Daqui a 10 minutos quero praticar sexo ou fazer amor; 3 – Farei um show particular dançando e/ou tirando a roupa com música propícia e bebida; 4 – Serei uma aprendiz safadinha ou serei a aluna que se masturba, deixando-se ver; 5 – Sensual, desço as escadas e vou ao seu encontro, que me espera em outro cômodo; 6 – Interpretarei a professora de sexo anal ou de boas maneiras; 7 – Interpretarei a massagista e ele ficará surpreso com a massagem; 8 – De camisa sem sutiã e de saia sem calcinha, vou dar um passeio com você e depois faço sexo; 9 – Interpretarei a mulher com medo do cafajeste, ficando de mãos atadas e sem recurso para fugir; 10 – Interpretarei a prostituta e cobrarei e receberei a quantia a ser combinada, serviço completo; 11 — Interpretarei a Amélia, de avental e calcinha branca, com saudades do amante; 13 – Interpretarei Cleópatra, usando muitas pulseiras e cordões; darei umas ordens para serem cumpridas e permito o sexo anal de presente; 14 – Interpretarei a doidona com tatuagem, finjo que fumei e só quero saber de paz e amor; 15 – Interpretarei a enfermeira e vou dar um presente para alegrá-lo; 16 – Interpretarei uma mulher de outra nacionalidade, falando algumas palavras no idioma que interpreto; 17 – Interpretarei uma atriz de filme pornô ou uma virgem; 18 – Interpretarei a ninfomaníaca por uma semana; se você praticar sexo conforme a minha vontade, receberá mais créditos no coração; sendo que 12 (doze) cartas terão mensagens centralizadas impressas na cor preta com seu número correspondente no alto, à esquerda, a saber: 19 – Interpretarei um executivo que deseja sexo e que dá ordens para sua secretária cumpri-las; 20 – Interpretarei um homem de programa, cobrarei e receberei a quantia a combinar; 21 – Interpretarei um subalterno que gosta de receber ordens; 22 – Interpretarei o aventureiro na natureza; combinar para dar uma caminhada no mato; tomar banho de cachoeira e/ou de mar; 23 – Interpretarei um cachorro que gosta de lamber ou o ninfomaníaco por uma semana; se você praticar sexo conforme minha vontade, receberá mais créditos no coração; 24 – Interpretarei o homem uniformizado com desejos sexuais a realizar; 25 – Praticarei sexo da maneira que o sexo se apresentar; escolherei a combinação melhor para o momento; 26 – Interpretarei um motorista e daremos um passeio de carro; 27 – Na cama, à vontade, vou tomar uma cerveja enquanto recebo carinhos maliciosos; quando acabar de tomar a cerveja eu peço outra e/ou passarei gel lubrificante nos locais já excitados; 28 – O homem decide; 29 – A mulher decide; 30 – Use camisinha.”

Se você leitor não achou esse documento inusitado, parabéns amigo, eu tenho inveja da sua profissão!

 

Agora vamos analisar esse documento de uma perspectiva técnica:

 



1 – Esse documento vai ser concedido pelo INPI?

Resposta: Não tenho bola de cristal pra te responder essa. Porém, a julgar pela jurisprudência administrativa do INPI, esse pedido de patente provavelmente será indeferido por um ou mais dos seguintes motivos, caso alcance a fase do exame substantivo: 

(i) falta de aplicação industrial (art 8 e 15 da lei 9279 de 1996 – LPI)*;

(ii) falta de atividade inventiva (art 8º e 13 da LPI) **;

(iii) objeção ao patenteamento de regra de jogo (art 10 – VII da LPI) ***;

(iv) objeto reivindicado contra moral e bons costumes (Art 18 da LPI)****;

* Entendo que não tem aplicação industrial, porque, apesar das cartinhas serem reproduzidas em escala por uma impressora, por uma prensa serigráfica, ou algo que o valha, o único elemento novo nas referidas cartas são as regras sexuais impressas em cada uma das faces das cartas. E, por óbvio, não há aplicação industrial em regras de conduta sexual;

** Por falta de atividade inventiva, entenda: por ser “óbvio ao técnico no assunto”. Isto é, ainda que seja novo interpretar a doidona cheia de tatuagem, o aventureiro da natureza e o cachorro que gosta de lamber, colocar esse tipo de informação em uma espécie de jogo de distribuição randômica de regras sexuais constitui uma derivação óbvia ao técnico versado no assunto. Uma técnica anterior relevante nesse caso seriam os dadinhos eróticos da loja de presentes Imaginarium;

*** Esse será o ponto mais difícil do titular se esquivar, pois não há como negar que a invenção consiste em regras de jogo;

**** Quanto à objeção à moral e bons costumes, eu particularmente não concordo do enquadramento do objeto reivindicado nesse item. Acredito que, enquadrado nesse item, deveria estar apenas aquilo tem a função deliberada de ofender determinado grupo de pessoas: “uma espingarda própria para matar pessoas pertencentes à etnia XYZ” ou algo do tipo. Contudo, um precedente não muito antigo do INPI, na área de Desenhos Industriais, me fez pensar o contrário: o precedente é relativo a um grupo de documentos BR302014000830, BR302014000831 e BR302014001361, indeferidos na Revista da Propriedade Industrial de número 2315 de 2015 por serem “contra moral e aos bons costumes”. Os três desenhos industriais reivindicavam drops de menta no formato de genitálias. Uma conduta salomônica nesse caso, seria o examinador do INPI pedir edições ao quadro reivindicatório do documento: “entendemos que ‘interpretar a Amélia’ é bastante tradicional e moralmente apropriado, mas a interpretação da ‘doidona de tatuagem’ fere substancialmente o Artigo 18 da LPI “. Who knows…..

2 – O casal que ler essa reivindicação e quiser replicar essas cartinhas na impressora de casa, pode ou não pode, produção?

Resposta: Pode tranquilamente! Segundo o artigo o Artigo 43, inciso I da lei 9279 de 1996, qualquer um pode bancar o professor pardal no Brasil com o conteúdo de qualquer patente, desde que seus atos “não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular da patente”: 

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I – produto objeto de patente; II – processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. § 1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo. § 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente.

Art. 43. O disposto no artigo anterior não se aplica: I – aos atos praticados por terceiros não autorizados, em caráter privado e sem finalidade comercial, desde que não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular da patente; II – aos atos praticados por terceiros não autorizados, com finalidade experimental, relacionados a estudos ou pesquisas científicas ou tecnológicas; III – à preparação de medicamento de acordo com prescrição médica para casos individuais, executada por profissional habilitado, bem como ao medicamento assim preparado; IV – a produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto que tiver sido colocado no mercado interno diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento; V – a terceiros que, no caso de patentes relacionadas com matéria viva, utilizem, sem finalidade econômica, o produto patenteado como fonte inicial de variação ou propagação para obter outros produtos; e VI – a terceiros que, no caso de patentes relacionadas com matéria viva, utilizem, ponham em circulação ou comercializem um produto patenteado que haja sido introduzido licitamente no comércio pelo detentor da patente ou por detentor de licença, desde que o produto patenteado não seja utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa. VII – aos atos praticados por terceiros não autorizados, relacionados à invenção protegida por patente, destinados exclusivamente à produção de informações, dados e resultados de testes, visando à obtenção do registro de comercialização, no Brasil ou em outro país, para a exploração e comercialização do produto objeto da patente, após a expiração dos prazos estipulados no art. 40.

Só não se esqueçam de usar a carta 30 ao praticar o jogo do documento PI1012468-3 ! 

(P.S. quem tiver o contato do titular da patente, passa por e-mail que colocamos o link de vendas do produto aqui no blog). 

 

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