Como foi amplamente divulgado nas últimas semanas, no dia 18 de junho de 2023, cinco pessoas adentraram um submarino com o objetivo de ver os destroços do cruzeiro mais conhecido de todos os tempos, o Titanic. Após um longo hiato sem contato com os tripulantes e passageiros, foi divulgada a notícia de que este submergível implodiu, levando a óbito todos que embarcaram nesta audaciosa aventura.
O Projeto
O submarino, fabricado e guiado pela OceanGate, tinha o nome de “Titan” e foi idealizado para realizar expedições em torno dos destroços do Titanic. Porém, como comentado por muitos, ele teria sido projetado com muito amadorismo e imprudência.
Alguns alegam, por exemplo, que um controle remoto sem fio, de videogame, de duzentos reais foi utilizado para prover navegabilidade ao submarino.
Outro ponto aduzido, para fundamentar o amadorismo e improviso na construção do Titan, é a utilização do sistema da empresa Starlink como comunicação. Alguns engenheiros e técnicos de comunicação argumentam que este sistema de comunicação seria praticamente inoperante quando o submarino estivesse abaixo da superfície da água.
Entretanto, apesar das falhas apresentadas pelo equipamento, essa expedição fez uso de grande embasamento tecnológico e científico. Além disso, ela foi motivada por um grande senso de aventura e descoberta.
A repercussão
Como mencionado anteriormente, o caso foi retratado em diversos canais de mídia sempre com um viés negativo, seja através de uma crítica com fundamentação técnica, ou através do deboche e sarcasmo escrachado, provido por veículos menos tradicionais.
Digno de nota é o fato que, todas as críticas com embasamento técnico ao submarino Titan surgiram após a propagação da notícia do seu sumiço em meio às profundezas do norte do atlântico. Criticar e apontar falhas após uma tragédia explicita é trabalho de um “engenheiro de obra pronta”. Engenheiro de obra pronta é sempre aquela figura que tem muita competência para apontar o dedo e expor os motivos das falhas após desvendado um desabamento, uma explosão, ou implosão. Essa figura nunca é chamada para apontar as falhas antes do acidente ocorrer.
Assim como é recorrente em casos dessa magnitude, as redes sociais transbordaram com “memes” e piadas em relação ao submarino da OceanGate. Boa parte dos “memes” brincavam com uma suposta imprudência dos tripulantes e passageiros que arriscaram suas vidas em um projeto cercado por gambiarras e improvisos. Em algumas redes sociais a decisão de se arriscar em uma nova tecnologia com poucos testes foi amplamente ridicularizada.
Abaixo, um dos referidos “memes”:
Recorrentemente, as piadas publicadas na internet dos tripulantes e passageiros terem se pago muito dinheiro para correr um risco muito elevado em sua aventura.
Nada é tão simples quanto parece
Muitos exploraram as falhas e percalços da OceanGate, muito pouco foi falado sobre as a inventividade e know-how técnico desta empresa.
A OceanGate é detentora de três patentes concedidas pelo escritório americano de propriedade industrial para a tecnologias relacionadas a submarinos.
Em outras palavras, a referida patente revela uma tecnologia para monitoramento da higidez da fibra de carbono, o mesmo material empregado no casco do Titan. Este material foi utilizado no Titan porque ele é capaz de suportar condições de alta pressão, temperaturas altas ou baixas, bem como impactos em sua face externa.
É importante destacar que para conseguir uma patente, é necessário que os inventores de determinada tecnologia convençam um examinador de um escritório de patentes de que a invenção protegida pela patente resolve um problema técnico que nenhuma outra invenção no mundo foi capaz de resolver. Como as patentes da OceanGate foram concedidas, as invenções nelas protegidas foram consideradas novas, inventivas e dotadas de aplicação industrial. Isso significa, na interpretação do escritório americano de patentes, que essas invenções promoveram um avanço tecnológico em comparação a tudo que já foi publicado no estado da técnica anterior ao Titan.
A História se repete
Na história humana é recorrente a exposição elevada a riscos por pessoas que se envolveram na construção de inventos disruptivos.
A SpaceX, de Elon Musk, por exemplo, até conseguir colocar um objeto em órbita, explodiu três foguetes, quase levando seu fundador à falência. Entretanto, após muita dedicação e persistência, esta empresa atingiu seu objetivo e ainda fechou um contrato bilionário com a Nasa.
A cientista Marie Curie, uma polonesa naturalizada francesa, foi a primeira mulher ganhadora do Prêmio Nobel, sendo a primeira pessoa a ganhar duas vezes, além de ser a única pessoa a ser premiada em dois campos científicos diferentes, física e química. Ela conduziu as pesquisas pioneiras sobre radioatividade, descobrindo os elementos radioativos rádio e polônio.
Com tanta dedicação, Marie Curie, foi muito importante para a sociedade. Porém o seu grande trabalho a levou a óbito. Curie morreu de anemia aplástica, que se acredita ter sido contraída por sua exposição prolongada à radiação emanada pelos elementos químicos de suas descobertas.
Fernão de Magalhães, um famoso navegador português, foi responsável pela primeira circunavegação registrada na história mundial, provando que a Terra era esférica. Porém, com tanta determinação para se aventurar, Fernão de Magalhães faleceu em 1521 em um confronto com nativos na atual região das Filipinas, ao final da jornada que lhe deu notoriedade e prestígio.
Embora Fernão de Magalhães tenha morrido ao final de sua jornada; embora Musk tenha quase falido enquanto liderou a SpaceX; e Marie Curie tenha contraído uma severa doença em sua busca por dois novos elementos químicos; não nos recordamos de memes e piadas que denegriram a imagem dessas personalidades.
Por fim…
O objetivo desse artigo não é encorajar decisões inconsequentes ou a imprudência exacerbada. O que tentamos demonstrar em nosso texto é que a história da inovação no mundo todo é repleta de riscos e tentativas frustradas. Apesar de diversos erros cometidos pela OceanGate, esta empresa foi concretizada por pessoas que compartilham da mesma centelha que impulsionou Elon Musk, Marie Curie e Fernão de Magalhães.
Observando com neutralidade, os tripulantes do Titan não foram tão ingênuos e despreparados como pintado pela mídia e redes sociais. A nosso ver, em vez de crucificados e zombados, os tripulantes e passageiros da Titan mereciam ser exaltados e respeitados como grandes aventureiros e entusiastas da inovação e progresso tecnológico.
Ari Magalhães
Leonardo Pegoraro e
Caio Bressan