No dia 12 de maio de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela derrubada do direito de extensão de prazo de patentes previsto no Art 40 da LPI. A suspensão se aplica apenas aos pedidos ainda não concedidos pelo INPI, não valendo para pedidos de patentes concedidos cujo período de extensão já se encontra em vigor. Como exceção, a suspensão se aplica também para pedidos concedidos e relacionados às áreas farmacêuticas e de equipamentos médicos.
A decisão do STF foi feita com base na constatação de inconstitucionalidade do mecanismo de extensão, tomando como agravante a atual situação de calamidade pública nacional instaurada em decorrência da pandemia de Covid-19. O entendimento foi de que a extensão de prazos confere direitos comerciais abusivos aos titulares, impede a livre concorrência de mercado e dificulta as ações de saúde públicas pela imposição de gastos excessivos com tecnologias patenteadas.
Extensão de prazo: Artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI)
O Art. 40 da LPI define os prazos mínimos de duração de patentes de invenção e modelo de utilidade como sendo de 20 e 15 anos após sua data de depósito, respectivamente. Esses prazos foram definidos em conformidade com o acordo TRIPS, e no momento de sua implementação (1997) representavam aumento significativo com relação ao Código de Propriedade Intelectual de 1971, no qual os prazos de patentes de invenção e modelo de utilidade eram de 15 e 10 anos, respectivamente.
Conjuntamente com a definição desses prazos, o Art. 40 define em seu parágrafo único que tais prazos podem ser estendidos:
“Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.
Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.”
Segundo o texto do artigo, as patentes devem apresentar tempo mínimo de duração de 10 (invenção) e 7 anos (modelo de utilidade) após sua concessão.
A ressalva do parágrafo único do Art. 40 foi implementada a fim de evitar eventuais prejuízos ao titular por atrasos excessivos no processamento de seu pedido de patente no INPI, cujo tempo máximo até a concessão pode chegar aos 14 anos. Logo, a extensão garantiria um período mínimo de usufruto do monopólio econômico sobre uma dada invenção independentemente do processo do INPI.
O aumento injustificado dos períodos de monopólio
É importa ressaltar que, a LPI estabelece em seu Art 44 um mecanismo que permite ao titular exigir seus direitos de monopólio sobre sua invenção de forma retroativa com base na data de depósito.
“Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente.”
De acordo com o artigo acima, um titular pode exigir o pagamento de indenização à terceiros que exploraram sua invenção sem autorização dentro do período de 20 anos após o depósito do pedido de patente. Ou seja, mesmo que uma patente demore a ser concedida, o titular ainda terá como se beneficiar financeiramente dos 20 anos de vigência, não pela exploração comercial exclusive diretamente, mas exigindo seus direitos retroativamente.
Nesse sentido, a extensão de prazo de vigência prevista no Art. 40 resultaria na ampliação do tempo de exploração de direitos de monopólio de forma indevida, visto que a retroatividade do direito e o beneficiamento financeiro decorrente estariam plenamente garantidos pelo Art. 44.
A inconstitucionalidade da extensão de prazos
Conforme exposto na decisão final do STF, o mecanismo de extensão previsto no Art 40 é inconstitucional pelos seguintes motivos:
“(i) prolonga, injustificadamente, o privilégio de exploração exclusiva de produtos e processos industriais, em prejuízo de quantos possam concorrer como titulares da patente e, ainda, dos consumidores, beneficiários da livre concorrência nos mercados;
(ii) impede que virtuais concorrentes do depositante do pedido de patente tenham conhecimento da data a partir da qual poderão explorar economicamente os produtos ou processos objeto da patente, o que compromete calculabilidade e previsibilidade indispensáveis à atuação dos agentes econômicos no mercado, vale dizer, certeza e segurança jurídica; e
(iii) permite, viabiliza, incita comportamentos adversos à livre concorrência da parte de depositantes de pedidos de patente, comportamentos voltados, tanto quanto isso se torne possível, ao retardamento do processo de exame do pedido de patente conduzido pelo Poder Executivo; quanto mais lento for esse exame, mais extenso será o privilégio de utilização exclusiva dos produtos e processos patenteados”.
Segundo tais argumentos, a extensão dos prazos prejudica a livre concorrência de mercado, visto que pode impedir o acesso a uma tecnologia de forma injustificada, indeterminada e imprevisível, impedindo a atuação de forma contundente de outros atores econômicos. Além disso, o texto incentiva os titulares a encontrarem meios para que o processo de exame do INPI seja retardado para se beneficiar da extensão de prazos, configurando estimulo à lentidão do sistema brasileiro de patentes.
Tais motivos levaram o STF a entender que o Art 40 da LPI é inconstitucional, pois infringe o estabelecido na Constituição com relação ao caráter temporário dos direitos de privilégios de exploração de um invento (Art 5 inciso XXIX), princípio de eficiência da administração pública (Art 37), princípio da ordem econômica (Art 170) e ao direito de saúde (Art 196).
A extensão de prazo implica em gastos significativos de saúde pública
Segundo estudo publicado pelo Instituto de economia da UFRJ em 2019, foi estimado que o Departamento de Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde gastou R$10,6 bilhões com a compra de 9 medicamentos patenteados, entre 2014 e 2018. Não fosse pelo mecanismo de extensão de prazos de vigência de patente, os 9 medicamentos seriam de domínio público. Fosse esse o caso, o estimado é que os gastos nesse período seriam de R$6,8 bilhões, ou seja, 55,5% menores.
Um exemplo de medicamento com período de extensão vigente é o flavipiravir, com prolongamento de proteção até 2023. Esse medicamento é estudado quanto ao seu efeito contra o coronavírus, podendo ser uma alternativa eficaz no controle da pandemia. Contudo, devido a extensão, sua produção no Brasil se encontrar impedida pelo direito de monopólio garantido a um laboratório japonês.
Assim como no caso acima, a ABIFINA estimou em 2019 que outros 58 produtos, entre agroquímicos e medicamentos, terão sua vigência estendida pelo mecanismo do Art 40.
Em suma, a suspensão do Art 40 implicará em impactos significativos no sistema de patentes brasileiro, sendo evidente sua maior influência no setor de saúde. O esperado pelo STF é que tal decisão opere em favor da sociedade, aumentando o acesso à tecnologias tão necessárias para a contenção da pandemia de Covid-19. Fora isso, existe a expectativa que a suspensão do mecanismo promova melhores condições para a livre concorrência de mercado, estimulando a inovação no país.
Danilo Zampronio
danilo.z@mnip.com.br