Uma Patente Essencial (SEP) é uma patente que tem por objetivo proteger uma tecnologia necessária para implementar um padrão técnico específico. Esses padrões são conjuntos de especificações criados por organizações de padronização (como IEEE, ETSI e ITU) para garantir que produtos de diferentes fabricantes funcionem de forma interoperável e sigam normas técnicas comuns.
Uma patente é considerada “essencial” ao padrão quando não há alternativa técnica para implementar o padrão sem utilizar a tecnologia protegida por essa patente. Assim, qualquer empresa que queira fabricar produtos compatíveis com esse padrão precisa de uma licença para essa patente.
Patentes essenciais têm um papel crítico na criação e disseminação de tecnologias interoperáveis, especialmente em indústrias onde a padronização é fundamental, como telecomunicações, eletrônicos, e até mesmo algumas áreas de transporte e energia.
Algumas tecnologias amplamente difundidas que dependem de patentes essenciais (SEPs) incluem:
- Wi-Fi: Tecnologia de comunicação sem fio que permite que dispositivos, como smartphones e laptops, se conectem à internet e se comuniquem em redes locais. SEPs associados ao Wi-Fi garantem conectividade e compatibilidade entre diferentes dispositivos.
- Advanced Video Coding: Padrão de compressão de vídeo usado em streaming de vídeo digital e videoconferências. SEPs cobrem essa tecnologia para assegurar transmissão eficiente e qualidade de reprodução em várias plataformas.
- 5G: Tecnologia de quinta geração que traz maior velocidade, menor latência e suporte aprimorado para conexões simultâneas, impulsionando inovações como IoT e automação.
Um dos principais desafios de uma patente essencial é a conciliação de dois conceitos altamente conflitantes: “patente” e “padronização”. Enquanto a patente oferece ao inventor um direito exclusivo de exploração comercial de sua invenção por tempo determinado, a padronização busca criar normas técnicas comuns para garantir compatibilidade, segurança e qualidade, facilitando a interoperabilidade entre produtos e tecnologias de diferentes fabricantes. De um lado, existe o direito exclusivo de exploração; do outro, a necessidade de padronizar a implementação de uma tecnologia.
Digamos que para evitar o custo de uma licença de uma patente, uma empresa opte por desenvolver sua própria tecnologia alternativa. A empresa eliminaria o custo da licença, mas criaria um problema significativo de incompatibilidade entre sistemas. Imagine, por exemplo, se o Wi-Fi funcionasse apenas em dispositivos de uma marca específica, isso não só prejudicaria a interoperabilidade e a experiência do usuário, como também limitaria o acesso a redes e a dispositivos de outras marcas, impondo barreiras artificiais para a conectividade. Tal cenário seria prejudicial para a sociedade como um todo, tornando-se um grande inconveniente para os consumidores e reduzindo a eficiência e a inovação tecnológica, pois cada fabricante teria que criar e manter seus próprios sistemas isolados.
Por outro lado, quando uma empresa investe milhões de dólares no desenvolvimento de uma nova tecnologia, é natural que ela busque proteger sua invenção por meio de patentes para garantir retorno sobre seu investimento. Esse direito exclusivo permite à empresa licenciar sua tecnologia e cobrar pelo uso, o que ajuda a compensar os custos de pesquisa e desenvolvimento. No entanto, a cobrança de taxas de licenciamento elevadas pode se tornar um obstáculo, dificultando a adoção dessa tecnologia por outras empresas e limitando o desenvolvimento de inovações baseadas nela.
Esse cenário pode criar um impasse, onde o interesse em proteger o investimento se choca com a necessidade de acessibilidade para que novas tecnologias sejam desenvolvidas e se tornem amplamente disponíveis, beneficiando o progresso tecnológico e a sociedade em geral.
Nesse contexto, surgiram os princípios FRAND para equilibrar os interesses entre o titular de uma patente essencial ao padrão (SEP) e as empresas que desejam utilizá-la para desenvolver novas tecnologias.
FRAND: Licenciamento Justo, Razoável e Não Discriminatório
O termo FRAND (Fair, Reasonable, and Non-Discriminatory), que significa “Justo, Razoável e Não Discriminatório,” refere-se a um conjunto de diretrizes para o licenciamento de patentes essenciais ao padrão (SEPs). O FRAND foi criado para garantir que, embora uma empresa possa proteger e cobrar pelo uso de sua tecnologia patenteada, esse licenciamento ocorra de forma justa e acessível, sem barreiras excessivas que inviabilizem sua adoção no mercado. Dessa forma, o titular da SEP é incentivado a compartilhar sua tecnologia com outros players do setor, promovendo a padronização e a interoperabilidade, enquanto ainda recebe uma compensação justa pelo seu investimento. Ao garantir que os termos sejam razoáveis e não discriminatórios, o FRAND permite que mais empresas acessem tecnologias essenciais, viabilizando a criação de produtos e serviços interoperáveis que beneficiam a sociedade como um todo, sem sacrificar a proteção ao inventor.
A aplicação do FRAND é notoriamente subjetiva, pois não existe um manual ou fórmula exata que defina o valor “justo” para uma patente essencial. Cada caso possui suas próprias particularidades, incluindo o tipo de tecnologia, o setor de atuação e a posição de mercado das empresas envolvidas, o que torna a definição de termos FRAND complexa e aberta a interpretações. Embora o conceito de licenciamento justo, razoável e não discriminatório seja claro em teoria, a prática exige análise detalhada e frequentemente leva a disputas judiciais para determinar o que realmente constitui uma taxa justa.
No entanto, algumas regras básicas orientam a aplicação do FRAND. Em geral, o licenciamento deve ser não exclusivo e acessível a todas as partes interessadas. O valor deve ser razoável, levando em conta os investimentos do titular da SEP, mas também sem impor custos excessivos que possam dificultar o desenvolvimento de novos produtos ou impedir que concorrentes acessem a tecnologia. Além disso, a não discriminação implica que empresas semelhantes em situação equivalente devem receber condições de licenciamento semelhantes.
O FRAND determina, por exemplo, que o titular de uma patente não pode realizar uma “venda casada” de uma patente SEP com outra patente, de modo que a licença deve ser concedida exclusivamente para a SEP. Além disso, o FRAND estabelece que o valor da licença deve ser justo e uniforme, independentemente de quem está adquirindo a licença, sendo vedado cobrar valores diferentes para compradores distintos.
Patentes essenciais no Brasil
No Brasil, assim como em outros países, um pedido de patente essencial segue os mesmos requisitos de patenteabilidade e cumpre as mesmas exigências e procedimentos para concessão pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sem qualquer tratamento diferenciado. Dessa forma, a declaração de uma patente como “essencial” para um padrão tecnológico não confere a ela nenhum benefício adicional nem limita seus direitos.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXIX, estabelece como direito fundamental a proteção aos “autores de inventos”, direito também assegurado pelo artigo 42 da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), que garante aos titulares de patentes o poder de impedir que outros utilizem a invenção patenteada sem sua autorização. Quando terceiros desejam fazer uso de uma invenção patenteada, é necessário obter o consentimento do titular, o que frequentemente se dá por meio de um contrato de licença.
No Brasil, as SEPs seguem diretrizes semelhantes às de outros países, especialmente em relação ao licenciamento e à proteção dos direitos de propriedade intelectual. Embora o Brasil não tenha regulamentações específicas para SEPs, a legislação geral de patentes e concorrência, junto com as diretrizes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), orienta as práticas de licenciamento e uso das SEPs.
Dessa forma, no Brasil as SEPs são geralmente licenciadas sob os princípios FRAND, assegurando acesso equitativo a tecnologias padronizadas e evitando práticas abusivas que poderiam prejudicar a concorrência, supervisadas pelo CADE. A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) não exige negociação prévia de licença nem notificação antes de uma ação judicial, mas o compromisso FRAND pode ser usado como defesa em disputas, sendo tratado como obrigação contratual e, para contratos estrangeiros, aplica-se a lei do país de origem das obrigações.
Acredito que a minha patente possa ser uma SEP, e agora?
Para declarar uma patente como potencial SEP, o primeiro passo é identificar a organização de padronização responsável pelo padrão técnico em questão. Organizações como ETSI, IEEE, ISO ou 3GPP desenvolvem padrões em setores específicos, como telecomunicações, TI ou sistemas industriais. A escolha da organização depende da área tecnológica e do padrão que sua patente pode atender.
Depois, é necessário verificar as diretrizes da organização escolhida. Cada uma possui regras específicas para a declaração de patentes. Por exemplo, a ETSI exige o preenchimento de um formulário chamado IPR (Information Statement and Licensing Declaration), no qual você deve fornecer algumas informações da patente, como o número, o titular e o padrão ao qual ela se relaciona. Você também precisará se comprometer a licenciar a patente em termos FRAND.
O processo geralmente não envolve uma análise técnica pela organização para confirmar se a patente é essencial ao padrão. A declaração é autodeclaratória, e a essencialidade da patente só costuma ser desafiada em disputas judiciais. Para verificar previamente se sua patente pode ser uma SEP, recomenda-se comparar as reivindicações da patente com os requisitos do padrão e, se necessário, consultar especialistas técnicos e jurídicos.
Resumidamente, você notifica a organização responsável, preenche o formulário apropriado, submete a declaração, e se compromete com os termos FRAND.
Um caso polêmico: Ericsson vs TCT
O caso Ericsson versus TCT marcou um ponto importante nas discussões sobre patentes essenciais ao padrão no Brasil e levantou questões sobre licenciamento de tecnologia sob os princípios FRAND. A disputa começou quando a Ericsson, detentora de várias patentes essenciais ao 3G, acusou a TCT Mobile (marcas Alcatel e TCL) de utilizar suas tecnologias patenteadas sem o devido pagamento de royalties, violando os termos de licenciamento FRAND.
Essas patentes da Ericsson eram fundamentais para a tecnologia 3G, o que significa que qualquer empresa que fabricasse dispositivos compatíveis com esse padrão precisaria de uma licença da Ericsson para usar suas invenções. Como essas patentes foram classificadas como SEPs, a Ericsson tinha o compromisso de licenciá-las sob termos FRAND, garantindo que os royalties fossem justos, razoáveis e acessíveis para qualquer empresa interessada. A Ericsson, no entanto, alegou que a TCT não estava cumprindo esses princípios, pois não pagava os royalties devidos e continuava a comercializar produtos com tecnologia patenteada.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ao avaliar o caso, autorizou que a Ericsson recorresse à justiça para impedir que a TCT continuasse usando sua tecnologia patenteada sem a devida compensação. O CADE entendeu que a TCT teria agido de má-fé ao usar as tecnologias patenteadas da Ericsson por um longo período sem negociar adequadamente os royalties e, posteriormente, ao propor condições desproporcionais para o pagamento, dificultando a negociação.
Esse caso foi relevante para a aplicação das regras de SEPs e licenciamento FRAND no Brasil, reforçando o direito dos detentores de patentes essenciais de serem compensados pelo uso de suas invenções. A decisão destacou a importância de negociações transparentes e justas no licenciamento de SEPs, e serviu como um precedente importante para futuras disputas no Brasil, ajudando a proteger os direitos dos titulares de patentes enquanto permite o acesso às tecnologias padronizadas de forma equilibrada.
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https://www.jusbrasil.com.br/noticias/cade-profere-primeira-decisao-sobre-patentes-essenciais/211341131 – Ericson e TCT
https://ipeurope.org/blog/what-has-a-standard-essential-patent-done-for-me-lately-anyway
https://www.youtube.com/watch?v=AnUBJhEdKsQ
https://baptistaluz.com.br/patentes-essenciais-guerra-anticompetitivas/