É possível que algum acadêmico ou pessoa que goste de elucubrar e desenvolver teorias tenha uma ideia original, uma invenção, e deseje proteger seus méritos intelectuais através de uma patente. Essa pessoa quer patentear sua teoria.
De fato, uma patente garante ao seu titular a exclusividade de uso, comercialização, importação e produção de uma determinada tecnologia no território nacional (MAGALHÃES, 2016) e que, em caso adverso, é assegurado ao titular da patente o direito de obter indenização. Mas essa proteção se aplica a teorias? Uma teoria é passível de patenteamento?
Antes de responder à pergunta-título, se procederá ao esclarecimento do que é uma teoria, em geral, e uma teoria científica, em particular. Depois a diferença entre ciência (teoria) e técnica e, finalmente, à análise da base legal no que tange ao tema das patentes, que é a Lei 9.279 de 1996, a Lei de Propriedade Industrial (LPI).
O QUE É UMA TEORIA?
Ao analisar um conceito, muitas vezes, é interessante estudar a etimologia das palavras envolvidas, pois fornece pistas desse conceito. No caso da palavra “teoria”, ela vem do grego teoria (θεωρία) e significa “ação de ver”, “observar”, “examinar”. Os gregos também chamavam de teoria a um festão de flores que unia pessoas em uma fileira que ia para um templo (SANTOS, 1963), sendo, assim, um elemento de ligação. Portanto, para os gregos, teoria era um exame da realidade que fazia ligações, ligando fatos a princípios. Assim, teoria na filosofia grega, era conhecimento de caráter estritamente especulativo, voltado para a contemplação da realidade, fazendo ligações de fatos dessa realidade a princípios que organizavam esses fatos.
Essa concepção de teoria ainda vale hoje. Eventualmente, pode ter outras formulações, mas elas são, em essência, equivalentes. É o caso, por exemplo, de uma definição atual, presente no Oxford Languages, que diz:
Conjunto de regras ou leis, mais ou menos sistematizadas, aplicadas a uma área específica.
O QUE É UMA TEORIA CIENTÍFICA?
Uma teoria científica, de forma geral, pode ser definida como uma teoria cujos fatos são observações empíricas metódicas de fenômenos da realidade natural. Essas observações de fenômenos são organizadas por leis ou regras (princípios), formando um conjunto (abstrato), que permite explicar e prever outros fenômenos (fatos).
Do ponto de vista de patenteabilidade, o que caracteriza uma teoria, incluindo teorias científicas, é o fato de ser um construto abstrato e não uma técnica ou tecnologia.
REQUISITOS DE PATENTEABILIDADE
A patenteabilidade está caracterizada no Capítulo II da LPI. Uma invenção é patenteável se ela preencher três requisitos: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Esta definição de patenteabilidade encontra-se no Artigo 8º da LPI. As noções de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial estão definidas dentro do Capítulo II supracitado.
Para a questão de patenteabilidade de teorias, um requisito é relevante: a aplicação industrial.
APLICAÇÃO INDUSTRIAL
Para que um invento atenda ao requisito de aplicação industrial, é necessário que a tecnologia possa ser aplicada ou produzida em qualquer tipo de indústria, conforme especificado no art. 15 da LPI.
Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm)
Explicando o requisito de aplicação industrial, cita-se trecho da obra de Magalhães (2016), p. 28-29:
Para que atenda ao requisito de aplicação industrial, a invenção também deve ser capaz de ser reproduzida em escala por qualquer terceiro interessado. Por reprodução em escala, entenda: a invenção pode ser reproduzida, pelo menos, uma vez, por, pelo menos, um terceiro interessado após o término da vigência da patente. Essa definição exclui obras artísticas desse conceito, mas permite a inclusão de objetos de difícil reprodução sequencial, como navios, reatores nucleares, plataformas de exploração de petróleo, satélites artificiais, etc.
[…] Dentro desse conceito, o termo “industrial” engloba, por exemplo, as atividades relacionadas à agricultura, pecuária, extrativismo e serviços. O requisito de aplicação industrial elimina a possibilidade de proteção de obras artísticas e literárias, concepções abstratas, planos de negócio, métodos educativos, entre outros.
Esse trecho demonstra que concepções abstratas, dentre as quais estão as teorias, não podem ser patenteadas pelo critério de aplicação industrial. Mas, há outro aspecto ainda mais fundamental, que exclui a possibilidade de se patentear uma teoria.
O QUE É UMA INVENÇÃO?
Além do aspecto de aplicação industrial, há outro aspecto que é, na verdade, mais fundamental: o status de invenção de uma teoria. Se algo não é invenção, então não é patenteável.
A LPI não define o que é invenção, mas diz o que não é: no capítulo II (Da patenteabilidade), em sua seção I (Das invenções e dos modelos de utilidade patenteáveis), no Art. 10, onde se elenca o que não se considera invenção:
Art. 10 da LPI:
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V – programas de computador em si;
VI – apresentação de informações;
VII – regras de jogo;
VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm)
Portanto, a LPI é bastante clara com respeito à patenteabilidade de teorias científicas e concepções abstratas: elas não são consideradas invenção e, portanto, não são patenteáveis.
O comentário de Magalhães (2016), p. 36-37, reforça esse ponto e justifica a existência do Art. 10:
O artigo 10, como pode ser visualizado acima, estabelece uma lista de elementos que não são considerados patenteáveis no Brasil. Alguns dos elementos definidos no artigo sequer atendem ao requisito de aplicação industrial; portanto, nem seria necessária a citação desses elementos no artigo 10 para que fossem considerados impatenteáveis.
Dentre estes elementos, podemos citar: descobertas, concepções abstratas e fórmulas matemáticas. Neste ponto, entende-se que o legislador foi cauteloso, atribuindo mais segurança jurídica ao fato de que descobertas, fórmulas aritméticas e concepções abstratas não são considerados patenteáveis em solo pátrio.
O fato de não ser invenção é, portanto, o ponto mais importante para afirmar que uma teoria não é patenteável.
Teoria versus prática
Para concluir, é interessante notar que esta impossibilidade de patentear uma teoria também está relacionada à oposição entre teoria e prática ou, mais especificamente, teoria e técnica. A oposição entre teoria e técnica também foi tratada pelos gregos antigos pela oposição entre episteme e tecné. O termo grego episteme (ἐπιστήμη) pode ser traduzido como “conhecimento” ou “ciência” e ele é um substantivo que deriva do verbo epistamai (ἐπῐ́στᾰμαι), o qual significa “entender”, “saber”, “ser versado em”. Por outro lado, o termo grego tecné (τέχνη) significa “técnica”, “arte”, “habilidade”. Assim, episteme se refere a teoria e tecné se refere à prática.
Assim, a teoria não pode ser patenteada, mas aquilo que está relacionado à prática (técnica), pode ser patenteado.
Uma curiosidade: no linguajar da área de patentes se usa com frequência termos como “técnico no assunto” (em inglês, “person skilled in the art”), “estado da técnica” (em inglês, “state of the art” ou “prior art”), entre outros, reforçando essa ideia de que a técnica é patenteável.
Outra curiosidade: o termo tecné em grego é equivalente ao termo ars em latim. De ars deriva a palavra arte. Portanto, técnica e arte também podem ser vistos como sinônimos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativo à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 mai. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>
MAGALHÃES, A. Manual de redação de patentes. Salto: Schoba, 2016. 264 p.
SANTOS, M. F. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Matese, 1963. 4 v.