Trabalhos de conclusão de curso em engenharia podem ser patenteados?

É comum que alunos dos cursos de engenharia tenham a intenção de patentear seus trabalhos de conclusão de curso (TCC) ou projetos bem avaliados ao longo do curso. Desenvolvem trabalhos que obtêm notas altas e resolvem problemas de forma eficiente e, muitas vezes, criativa. Acreditam que podem obter vantagens importantes através do patenteamento de seu projeto. No entanto, geralmente, não sabem exatamente o que é uma patente, que benefícios ela pode trazer de fato, quais são os trâmites, custos e tempo demandados para efetivar uma patente.

Assim, os alunos interessados em patentear seus TCCs e projetos poderão encontrar aqui informações para esclarecer suas dúvidas.

Antes de entrar nas questões diretamente relacionadas a patentes, alguns antecedentes são importantes. A instituição responsável pela concessão de patentes no Brasil é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal vinculada atualmente ao Ministério da Economia, que é responsável, além da concessão de patentes, pelo registro de marcas, desenhos industriais, indicações geográficas, programas de computador e topografias de circuitos integrados e as averbações de contratos de franquia, entre outros serviços. O principal marco legal no que tange ao tema das patentes é a Lei 9279 de 1996, a Lei de Propriedade Industrial (LPI).

O que é uma patente?

A página web do INPI define patente da seguinte forma:

Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente. (Fonte: https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/materiais-de-consulta-e-apoio)

A patente assegura alguns direitos ao seu titular, mas, por outro lado, cria o dever de revelar detalhadamente o invento, não podendo, portanto, ser segredo. Uma patente não tem duração indeterminada: sua vigência é de 20 anos, período no qual os direitos concedidos pela patente são assegurados. E quais são os direitos que uma patente concede? Isto está previsto na LPI, sobretudo, em seus artigos 42 e 44, transcritos a seguir:

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:

        I – produto objeto de patente;

        II – processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.

        § 1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo.

        § 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente.

Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm)

Portanto, uma patente garante ao seu titular a exclusividade de uso, comercialização, importação e produção de uma determinada tecnologia no território nacional (MAGALHÃES, 2016). Em caso adverso, é assegurado ao titular da patente o direito de obter indenização. No Art. 43 da LPI, estão as exceções à regra exposta no Art. 42: em síntese, é permitida a reprodução para fins de pesquisa e a reprodução para uso individual sem finalidade comercial. Qualquer terceiro interessado terá sempre o direito de reproduzir a tecnologia patenteada para uso individual ou para fins de pesquisa desde que não vise lucro nestas atividades (MAGALHÃES, 2016). Logo, a busca de lucro com a invenção só pode ser feita pelo titular da patente, sem exceções.

Meu TCC ou projeto é patenteável?

Após conhecer o que seja uma patente e os direitos que ela produz, vem naturalmente a pergunta: qualquer invenção é patenteável? A resposta é não. A patenteabilidade está caracterizada no Capítulo II da LPI. Uma invenção é patenteável se ela preencher três requisitos: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Esta definição de patenteabilidade encontra-se no Artigo 8º da LPI. As noções de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial estão definidas dentro do Capítulo II supracitado.

a) NOVIDADE

Para que um invento atenda ao requisito da novidade, é necessário que ele não esteja compreendido no estado da técnica, ou seja, que essa tecnologia não tenha sido tornada acessível ao público em âmbito mundial. Vide o Artigo 11 da LPI:

Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica.

        § 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17.

        § 2º Para fins de aferição da novidade, o conteúdo completo de pedido depositado no Brasil, e ainda não publicado, será considerado estado da técnica a partir da data de depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que venha a ser publicado, mesmo que subsequentemente.

        § 3º O disposto no parágrafo anterior será aplicado ao pedido internacional de patente depositado segundo tratado ou convenção em vigor no Brasil, desde que haja processamento nacional. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm)

Tome-se como exemplo, um projeto de automação residencial. Esses projetos visam, entre outras coisas, acionar à distância equipamentos de uma casa, como iluminação, eletrodomésticos, portões, etc. São muito comuns os projetos de acionamentos via aplicativos de celular, que são, portanto, parte do estado da técnica. Assim sendo, não convém pedir uma patente que tenha como reivindicação um aplicativo de celular para acionar (ligar/desligar) a iluminação de uma residência. Muitas automações já fazem isso e, logo, não há novidade. Mas se a reivindicação for a respeito de algum ponto específico do programa do aplicativo que resolva algum problema ou limitação das automações já existentes (que torna o aplicativo mais rápido, por exemplo) pode haver novidade.

b) ATIVIDADE INVENTIVA

Para que um invento atenda ao requisito de atividade inventiva, é necessário que ele não decorra de maneira óbvia ou evidente do estado da técnica para um técnico no assunto, vide o Artigo 13 da LPI.

Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm)

O requisito de atividade inventiva depende do requisito de novidade. A novidade é uma condição necessária, porém não suficiente para que haja atividade inventiva. Se não houver novidade, certamente não há atividade inventiva. Por outro lado, se houver novidade, não há necessariamente atividade inventiva. Depois que se verificou a novidade da invenção, deve-se observar se há atividade inventiva. A verificação de atividade inventiva é, basicamente, se a solução a um problema não é óbvia para um técnico da área.

Por exemplo, é muito comum que TCCs ou projetos tentem baratear ou implementar algum aspecto “sustentável”. Se a contribuição for apenas a substituição de elementos mais caros ou “insustentáveis” por elementos mais baratos ou sustentáveis, pode existir novidade (caso ninguém tenha feito essa substituição antes), mas não há atividade inventiva, pois é uma solução óbvia que qualquer técnico da área poderia pensar.

Recomenda-se que, ao tentar patentear algum TCC ou projeto, se escolha algum aspecto relativamente circunscrito da invenção, de tal forma que este seja uma novidade e que esta novidade tenha atividade inventiva, em outras palavras, que este aspecto ainda não exista e que não seja uma solução óbvia, que seja algo criativo ou uma “sacada” dos alunos para resolver um problema da área.

c) APLICAÇÃO INDUSTRIAL

Para que um invento atenda ao requisito de aplicação industrial, é necessário que a tecnologia possa ser aplicada ou produzida em qualquer tipo de indústria, conforme especificado no art. 15 da LPI.

Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm)

O requisito de aplicação industrial é independente dos outros dois. Normalmente, os TCCs ou projetos com protótipos são passíveis de patenteamento do ponto de vista do requisito de aplicação industrial, pois apresenta uma tecnologia que pode ser utilizada ou produzida por qualquer tipo de indústria.

Quanto custa obter uma patente?

Para obter uma patente, devem ser pagas diversas taxas para o INPI. As básicas são: taxa de depósito, pedido de exame e expedição de carta-patente. Dependendo de algumas circunstâncias, outras taxas podem ser cobradas. Outro custo obrigatório é o pagamento de anuidades para a manutenção da patente durante o tempo de sua vigência, ou seja, durante 20 anos. Algumas taxas podem variar dependendo de características da patente, mas restringindo-se a valores básicos e com desconto, a soma das taxas básicas é cerca de R$400. As anuidades aumentam de valor com o passar dos anos, iniciando em R$312,00 e chegando a R$802,00. Estes são valores para o ano de 2020 (Fonte: https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/custos). É importante pagar as taxas em dia, pois o pedido de patente pode ser arquivado, invalidando todo o processo.

O próprio inventor pode escrever o pedido de patente e depositá-lo no INPI?

Qualquer brasileiro, portador de CPF e dotado de plena capacidade civil pode escrever um pedido de patente e realizar o seu depósito junto ao INPI. […] Estrangeiros, por exceção, necessitam de representação jurídica e administrativa com domicílio nacional para protocolo de documentos no INPI (arts. 216 e 217, LPI). (MAGALHÃES, 2016, p. 20)

Portanto, no geral, os alunos poderiam redigir e depositar o próprio pedido de patente no INPI. No entanto, a feitura de um bom pedido de patente é uma tarefa complexa, com uma série de especificidades, detalhes, formalidades e jargões, cujo desconhecimento pode diminuir consideravelmente a probabilidade da concessão da patente. Além disso, deve-se acompanhar todo o processo, que pode ir desde a redação do pedido de patente até o fim da vigência da patente, período no qual podem surgir diversos percalços. Assim, muitas vezes, é recomendável a busca de ajuda especializada.

Quanto tempo demora para a concessão de uma patente (expedição da carta-patente)?

No caso de uma patente depositada apenas no INPI, não tendo sido concedida ou solicitada em outro país, que seria o caso normal de alunos brasileiros, o tempo entre o depósito e a expedição da carta-patente é, em média, de 10 anos.

IMPORTANTE: 

É importante que o inventor realize o depósito de seu pedido de patente no INPI antes de apresentar seu TCC à universidade, do contrário ele poderá perder o requisito de “novidade” descrito mais acima.

Ele pode, no Brasil, utilizar o que chamamos de período de graça para ter seu direito de depósito assegurado dentro de um ano após a primeira publicação. Mas é melhor evitar o uso desse artifício, já quem nem todos os países do mundo adotam o período de graça com a mesma amplitude e mesmo prazo adotado no Brasil.

Referências

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativo à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 mai. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>

INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/>

MAGALHÃES, A. Manual de redação de patentes. Salto: Schoba, 2016. 264 p.

Douglas Slaughter

douglas.s@mnip.com.br

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