Receitas culinárias são patenteáveis?

Receita culinária é patenteável? Se eu fizer uma torta nova; se eu criar um novo sabor de pizza; se elaborar uma nova sobremesa; posso patentear? É possível patentear comidas? É possível patentear alimentos? 

No tempo corrente, não existe uma resposta simples a essa pergunta. A reposta pode ser “sim”, ou “não”, a depender da receita culinária em questão. Se você não tiver tempo ou interesse em ler esse texto até o fim, fique com o “não”, pois raramente elas são patenteáveis; se tiver tempo sobrando, veja a seguir os casos em que as receitas culinárias são patenteáveis e os casos onde elas definitivamente não o são.

Há alguns anos atrás, mais precisamente entre os anos de 1971 e 1996 a resposta a essa pergunta: “receitas culinárias são patenteáveis?” seria muito mais simples. Antes de 1996 não eram patenteáveis os gêneros alimentícios porque o artigo 9º alínea c do Código da Propriedade Industrial de 1971 taxava de forma bastante objetiva a proibição do patenteamento de receitas: “não são privilegiáveis misturas ou produtos alimentícios”.  

Voltando ao tempo presente, no arcabouço legal vigente, não existe qualquer objeção à concessão de uma patente para gêneros alimentícios. O artigo 10º da Lei de Propriedade Industrial (a LPI, lei 9279 de 1996) proíbe o patenteamento de: descobertas, teorias, métodos matemáticos; concepções abstratas; planos de negócio; programas de computador em si; regras de jogo; métodos cirúrgicos, terapêuticos ou de diagnóstico. Por sua vez, o artigo 18º da mesma lei proíbe a concessão de patentes para: o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança,  ordem e saúde públicas; as substâncias resultantes de transformação do núcleo atômico; e o todo ou parte dos seres vivos, com exceção dos transgênicos. Não há nada nessa lista que se confunda com: alimentos, sobremesas, salgados, massas, bolos e afins.

Ocorre que, a lei de propriedade industrial atual também traz em seu artigo 8º os três requisitos básicos de patenteabilidade: novidade; atividade inventiva e aplicação industrial. 

Por novidade, entenda: para ser patenteável o objeto tem de ser novo em âmbito mundial. Por aplicação industrial, entenda: tem de ser possível a reprodução em escala do referido objeto, revelando uma produção que independa das habilidades particulares a um artesão. E por atividade inventiva – atenção a esse item! – entenda: não pode ser patenteável aquilo que é óbvio ao técnico no assunto.

Agora, pense em uma receita de culinária qualquer. Em homenagem a minha querida avó, que nunca perdeu um programa dessa simpática senhora, transcrevo aqui uma receita de Frango Rústico da cozinheira Palmirinha:

FRANGO RÚSTICO DA PALMIRINHA

Coloque em uma panela grande o açúcar e leve ao fogo, mexendo até caramelizar. Acomode as coxas de frango e deixe dourar de todos os lados. Adicione a cebola e o alho e mexa novamente. Bata uma cenoura com a água no liquidificador e adicione à panela com os tomates, o sal e a água. Tampe a panela, abaixe o fogo e deixe cozinhar por 30 minutos. Acrescente a outra cenoura em bastões, as vagens e os cogumelos e deixe acabar de cozinhar, adicionando água, se necessário. Salpique a salsa picada e sirva com macarrão integral.

(Frango rústico, blog da Palmirinha)

O frango Rústico da Palmirinha parece muito bom, a foto do website que exibe a sua receita é de dar água na boca. Arrisco um palpite em dizer que essa receita é original, que foi elaborada pela própria Palmirinha e que não existe outra receita igual no mundo, atendendo, portanto, ao requisito de novidade definido no artigo oitavo da LPI.

Até esse ponto, a receita do frango rústico atende a todos os requisitos da LPI, com exceção de um: atividade inventiva.

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Por melhor que seja a receita do dito frango rústico, não há nada nessa receita que fuja à definição de óbvio a um bom cozinheiro. Caramelizar açúcar, dourar coxa de frango, bater cenoura no liquidificador e adicionar todos os ingredientes a uma panela com água, nada disso foge ao convencional. Não há qualquer resultado inesperado proveniente dessas ações. Também não houve nessa receita solução a um problema técnico cuja solução era esperada há muito tempo. Por estes motivos, ainda que a receita descrita acima seja nova em relação a tudo o que já tenha sido elaborado em termos de receita, não há como justificar o atendimento ao requisito de atividade inventiva por essa receita.

Seguem dois precedentes do INPI que corroboram com essas afirmações: Precedente 1Precedente 2.

Agora pense em uma receita criada por um engenheiro de alimentos para atender uma demanda específica de mercado, resolvendo um problema técnico que nenhum outro engenheiro de alimentos conseguiu resolver nos últimos anos.

Pense numa pasta de amendoim embalada na forma de finas fatias em vez de potes; para o público fitness; feita com ingredientes naturais; que compreende baixo teor de gordura; produzida a base de pó de amendoim; que não leva emulsificantes nem outros agentes configurados para atribuir viscosidade ao produto em sua formulação.

Uma patente para o objeto descrito acima foi concedida recentemente pelo escritório americano de patentes, o USPTO, com a seguinte número de referência US9913489.

Como diria Larry Tarazano, examinador do escritório americano de patentes, o USPTO, os pedidos de patente para gêneros alimentícios são concedidos apenas quando as soluções reivindicadas são técnicas e produzem resultados completamente inesperados. Segundo Larry, as invenções de gênero alimentício patenteáveis parecem muito mais ter saído de um laboratório do que de uma cozinha convencional.

Numerous patents on food products are issued each year. However, if you take a look at most of these patents, you’ll find that the recipe was more likely to have been created in a laboratory than on a kitchen counter.

(Larry Tarazano, – Examinador do USPTO)

A questão das patentes para gêneros alimentícios já foi levada à apreciação do TJSP, em um caso envolvendo a sobremesa Grand Gâteau Paris 6, comercializada pelo restaurante paulistano Paris 6. Na decisão do caso o Relator Francisco Loureiro afirma que a referida sobremesa jamais poderia ter sido patenteada pois lhe careceria novidade, atividade inventiva e aplicação industrial:

No caso em tela, a receita culinária desenvolvida pela ré não consiste em verdadeira invenção, pois não preenche qualquer dos requisitos acima especificados: não é nova ou original, pois mero desdobramento de receita mundialmente conhecida, decorre de maneira evidente do estado da técnica, pois consiste em ligeira variação de fórmula já sabida, além do que não é passível de aplicação industrial. 

(TJSP A. Cível n°1114716 – 29.2014.8.26.0100 S. Paulo)

Resumindo as linhas acima, o que o leitor deve entender é que conforme a lei vigente no Brasil, as receitas culinárias serão patenteáveis somente quando resolverem um problema técnico industrial, revelarem resultado inesperado na combinação e preparo de ingredientes e se assemelharem mais a uma criação desenvolvida em um laboratório por engenheiros de alimentos do que uma criação desenvolvida por um cozinheiro em uma cozinha convencional. 

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