A perda de vigência das patentes das cápsulas Nespresso

A Nestlé revolucionou o mundo do café expresso com a marca Nespresso, que se consolidou no mercado com suas máquinas e cápsulas compatíveis que produzem café premium de uma maneira rápida e fácil, no conforto de casa. Como era esperado, a Nestlé protegeu sua invenção dos concorrentes e procurou manter a exclusividade por maior tempo possível. Inicialmente, a proteção de patente para a máquina de café e suas cápsulas bastaram para manter o monopólio Nespresso, porém, essas patentes caíram em domínio público em 2001. Enquanto isso, as patentes restantes foram contestadas e a Ethical Coffee Company SA obteve a anulação da última patente do sistema Nespresso em 2012.

 

 Em 2012 a Nestlé prevalecia no mercado de cafés de xícara única com uma participação de 34% na receita, seguido por seu maior concorrente Keurig Green Mountain (dominante no mercado norte-americano) que estava lançando sua própria versão de máquinas. Por outro lado, a Ethical Coffee Company SA e a Mondelez International Inc estavam desenvolvendo cápsulas mais baratas e compatíveis com a máquina Nespresso. 

 

É temeroso, porém esperado, o momento em que a invenção cairá em domínio público, assim, em vários casos pode-se identificar o processo de transferência de valor que ocorre durante o ciclo de vida de um produto, de patentes a marcas. Inicialmente, o produto é diferenciado por estar protegido por patentes, mas com o passar do tempo, a lealdade do cliente é cada vez mais associada à marca e quando a patente expira ainda reside este valor intangível advindo da reputação da marca. O que indica que os lucros contínuos são atribuídos aos ativos de marketing à medida que a tecnologia se torna disponível para uso dos concorrentes.

 

 Para manter certa exclusividade, a Nespresso solicitou o registro das cápsulas como marca tridimensional (consulte marca nº 763699) que foi renovada em Benelux e teria vigência até julho de 2021. Entretanto, em 2013 a Mondelez-kraft interpôs recurso no Tribunal de Comércio de Bruxelas para anular este registro de marca sob argumento de que um sinal não pode ser registrado como marca se consistir exclusivamente na forma de produto necessária à obtenção de um resultado técnico (ver artigo 2.1.2 da convenção de Benelux sobre Propriedade Intelectual – BCIP). A Nestlé não compareceu na audiência de instrução e o tribunal proferiu uma sentença “à revelia”, atendendo todas as demandas na Mondelez-Kraft. Além disso, baseando-se na jurisprudência geral do Tribunal de Justiça Europeu, que afirma que as empresas não podem utilizar o direito das marcas para perpetuar, indefinidamente, direitos exclusivos relativos a soluções técnicas, o Tribunal de Comércio de Bruxelas anulou em 2014 a proteção da marca Nestlé sobre as cápsulas. 

 

Para tomar essa decisão foi preciso que fosse examinado em detalhes as condições para a aplicação do artigo 2.1.2 do BCIP. Para que este artigo seja plenamente aplicável o sinal deve consistir exclusivamente na forma do produto, com a consequência de que se apenas uma das características essenciais do produto não tiver função técnica, a marca tridimensional será válida. Assim, o tribunal considera que cada característica deve ser condição sine qua non (essencial) para a obtenção da solução técnica. O tribunal inclusive se referiu ao caso Lego / Mega Brands, que forneceu orientações sobre os elementos que podem ser levados em consideração na determinação da função técnica de uma característica essencial. Dessa forma, para avaliação das cápsulas Nespresso o Tribunal utilizou elementos de outros pedidos de patente da Nestlé, que permitiram ao juiz recolher informações sobre as funções técnicas das características essenciais da cápsula. 

 

À vista disso, o Tribunal considerou que a função técnica global de uma cápsula Nespresso não é extrair café, mas fazê-lo, com a qualidade específica, nomeadamente em termos de difusão de água no interior da cápsula que é permitido pela forma da cápsula e, portanto, pela combinação de suas características essenciais. A fabricação de cápsulas alternativas compatíveis não indicaria o mesmo resultado técnico, tanto qualitativamente como quantitativamente, que a cápsula protegida sob a marca tridimensional da Nestlé. 

 

A Nestlé interpôs recurso a esta decisão, mas o tribunal confirmou sua primeira sentença em novembro de 2016. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia afirma que a proteção da marca conferiria monopólios baseados em soluções técnicas ou características utilitárias e que isso deveria ser a linha divisória entre a proteção de marcas e patentes. 

 

Para se sustentar no mercado, a Nespresso tem buscado mais formas de digitalizar e inovar. Nas últimas décadas a incorporação de tecnologia possibilitou transações digitais simples, como exemplo do impulso na mídia digital com o ator George Clooney como o rosto da Nespresso. Além disso, a marca disponibiliza um sistema de e-commerce de grande eficiência, onde é possível o consumidor pedir qualquer combinação de cápsulas que serão entregues em 2 dias úteis. 

 

A inovação digital pode impulsionar a transformação dos negócios que vai muito além da tecnologia, visto que pode inspirar os funcionários a reimaginar seu trabalho. A Nespresso é um exemplo disso com a criação da Nespresso Cube, que foi uma boutique digital totalmente automatizada que oferecia compras personalizadas de última geração e sabores de edição limitada. Os pedidos eram realizados em uma tela digital e os clientes podiam assistir robôs realizando seus pedidos em uma velocidade considerável. 

 

Já a criação da máquina Prodígio, colocou a Nespresso como parte da revolução da IoT (internet das coisas – Internet of Things), a máquina se conecta via Bluetooth e oferece benefícios adicionais através da utilização do aplicativo. Essa máquina que faz parte da transformação digital da Nestlé, consegue mostrar no smartphone do cliente quando a máquina precisa de manutenção, reabastecimento de água e ainda, possibilita que o consumidor programe um horário para a máquina fazer o café. Além disso, a máquina identifica as cápsulas que estão em menor quantidade e permite que o cliente realize o pedido dessas cápsulas com apenas um toque. 

 

Por fim, a transformação digital utilizando Big Data oferece soluções de engajamento do cliente baseado em nuvem que sintetiza os dados do consumidor (pedidos de compras online, análises comportamentais e interações com quiosques Nespresso) e converte em uma visão unificada do cliente, permitindo obter insights e personalizar recomendações e mídia para cada perfil de usuário. 

 

Em busca de sobrevivência, a Nespresso mirou outro estilo de consumidor: os que apreciam grande quantidade, além da qualidade. O desenvolvimento da máquina Vertuoline, que possui cápsulas maiores que as do modelo original, são incompatíveis com as máquinas já existentes. Dessa forma, a nova invenção está protegida por patentes pelo menos até 2030, permitindo que a Nestlé tenha novamente a exclusividade em um mercado que está muito competitivo, ressaltando players como a Coca-Cola Co. Além disso, as cápsulas Vertuoline vêm com código de barras e é mais uma barreira para os concorrentes que visam fazer cápsulas compatíveis. 

 

A utilização da Vertuoline inicialmente mirou o mercado Norte-Americano e depois expandiu para a França, Reino Unido, Alemanha, Suíça e Austrália. Em setembro de 2019, o sistema Vertuoline foi lançado no Oriente Médio, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita com o nome “Vertuo”, visando dominar o mercado com este novo método de tomar café. 

 

Apesar de serem 100% recicláveis, as cápsulas são descartadas como lixo comum até mesmo em cooperativas de reciclagem. Para amenizar as críticas aos resíduos e atrair mais compradores, a Nestlé lançou iniciativas de reciclagem de cápsulas, pois apesar de simples, a separação do alumínio e da borra de café exige uma máquina específica, desenvolvida pela própria Nespresso. Porém, para realizar essa reciclagem é necessário que o consumidor retorne as cápsulas em lojas da Nespresso especializadas nessa reciclagem. 

 

Outro ponto a ser considerado é que as cápsulas Vertuoline são mais caras que as do modelo original e também pode ser um desafio conseguir comercializar para clientes que já possuem uma máquina Nespresso. Você teria duas máquinas de café em sua bancada da cozinha?

 

 Embora a Nespresso tenha feito muitas mudanças para sobreviver, ainda há mais a ser feito. Os esforços têm sido defensivos e agora a Nespresso precisa ser mais ativa e inovativa. Longe de ser uma peculiaridade, ter as invenções protegidas por patentes facilita o domínio no mercado a longo prazo, então, empenhar-se em novas ideias é o diferencial para poder triunfar com essa geração cada vez mais exigente.

 

 A história por trás das cápsulas de café NESPRESSO.

Foi em 1900, na Itália, que Luigi Bezzera deu origem ao famoso expresso, quando ele adicionou pressão de vapor à máquina de café. Ao fazer isso, além de acelerar o processo, foi possível obter um café mais forte e aromático. O empresário Desidero Pavoni adquiriu os direitos da patente em 1905 e tornou o expresso um sucesso pelas ruas italianas.

 

 Em 1938, Cremonesi conseguiu eliminar o sabor queimado associado ao uso de vapor ou água fervente ao desenvolver uma máquina de café com bomba de pistão. Depois, tornou-se possível aplicar pressão ao café independentemente da caldeira, pela utilização de uma bomba de pistão com alavanca de mola do Achille Gaggia. Porém, os avanços relacionados ao café estavam apenas no início. Em 1961 a empresa Faema criou uma máquina com bomba elétrica para fazer a água passar pelo café. Isso marcou o início das máquinas movidas a bomba das quais derivaram as modernas máquinas de café expresso.

 

Foi em 1975 que o engenheiro Eric Favre iniciou seu trabalho no departamento de embalagens na matriz suíça da Nestlé, aprendendo com a P&D, vendas, marketing e produção. Favre, encantado com a possibilidade de inventar uma máquina que permitisse que qualquer pessoa pudesse preparar e saborear o expresso perfeito no conforto de sua própria casa, saiu em busca do melhor expresso italiano. Este, foi encontrado em Roma, utilizando as velhas máquinas de quatro pistões… O segredo estava na preparação: ao invés de bombear uma vez, o pistão era bombeado de três a quatro vezes. Dessa forma, Favre identificou a necessidade de incorporar ar na água, antes de ela entrar em contato com o café. Isso se dá pois o oxigênio presente no ar oxida os componentes como aroma e óleos essenciais, permitindo que eles sejam extraídos mais rapidamente. Consciente desta descoberta e dos seus conhecimentos em engenharia, Favre iniciou o desenvolvimento de uma cápsula contendo um filtro e uma membrana na base, para possibilitar uma incorporação de ar ideal e a preparação rápida do expresso perfeito.

 

Ciente de suas habilidades, em 1991 Eric Favre fundou a empresa MONODOR SA e continuou a aperfeiçoar sua invenção, desenvolvendo diversas patentes, nas quais muitas utilizaram o Tratado de Cooperação de Patentes da WIPO (WIPO’s Patent Cooperation Treaty – PCT) para solicitar proteção internacional das invenções.

 

Uma das grandes evoluções no desenvolvimento das cápsulas, foi quando Favre retirou o filtro de alumínio, que além de ser muito pesado era danoso ao ambiente, e o substituiu por um novo método. Este método (consulte o pedido número PCT/CH91/000222) injeta água pressurizada na cápsula, fazendo com que os grãos de café aumentem em até 5 vezes o volume original, resultando na pressão ideal para que a membrana localizada no fundo da cápsula se deforme e atue como filtro. Este modelo de cápsula apresenta 12% de invólucro e o restante é café. 

 

Diferentemente, a inovação com o sistema Vertuoline, da Nestlé (ver patente número USD734665S1) usa duas tecnologias não encontradas na linha original. Primeiro, o sistema usa “centrifusão” (termo criado pela Nespresso, juntando a força centrífuga e a infusão), por meio da qual a cápsula gira na máquina a até 7.000 rpm para misturar o café moído e a água quente. Em segundo lugar, cada cápsula tem um código de barras embutido na borda e a máquina possui um sistema de leitura a laser de código de barras que lê 5 parâmetros diferentes: velocidade de rotação, temperatura, tempo de infusão, volume e fluxo de água.

 

Como foi possível notar, as inovações em relação ao café estão sempre sendo desenvolvidas e aprimoradas, dessa forma, podemos esperar mais ideias para o consumidor cada vez mais exigente.

 

Yasmine Alves 

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