Como patentear uma música?

Estamos escrevendo esse artigo, porque não há uma semana sequer que essa pergunta não seja enviada para nós. O título, na verdade, deveria ser “posso patentear uma música?” e não “como patentear uma música?” Já que a resposta a essa pergunta é: você não pode “patentar” uma música em nenhum país do mundo

LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (LEI DE PATENTES):

        Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

        Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.

  Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:

        I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;

        II – concepções puramente abstratas;

        III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;

        IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;

        V – programas de computador em si;

        VI – apresentação de informações;

        VII – regras de jogo;

        VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

        IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.(lei 9279 de 1996)

LEI DO DIREITO AUTORAL:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III – as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

[…]

Art. 18. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.

Art. 19. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973.

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I – a reprodução parcial ou integral;

II – a edição;

III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;

IV – a tradução para qualquer idioma;

V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;

VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;

VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;

VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

a) representação, recitação ou declamação;

b) execução musical;

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. […]

(lei 9.610 de 1998)

A música, tanto em sua melodia quanto em sua letra, pertence ao ramo do direito autoral, assim como as imagens artísticas, as pinturas, as estátuas, o samba-enredo, a trama de uma novela, os filmes, as partituras, as obras literárias, os poemas e as peças teatrais

Por definição, tudo aquilo que pertence ao ramo do direito autoral, já nasce gozando de proteção. Isso significa que, no momento em que você cria uma música, pinta um quadro ou faz o seu primeiro longa metragem, no exato momento em que a obra é concluída, já é garantido a você o enforcement de seu direito sobre terceiros. Em outras palavras, terminei a letra de uma música hoje (segunda-feira); amanhã (terça-feira) envio essa letra por e-mail a seis gravadoras; sem qualquer autorização minha, sem qualquer contraprestação pecuniária, a música é tocada no rádio no dia seguinte (na quarta-feira) a mando da gravadora X; na quinta-feira, quando tomo conhecimento do fato, eu já posso acionar a gravadora X, alegando infração ao meu direito de autor.

A propriedade industrial (patentes, registros de marcas e desenhos industriais) por outro lado, requer o carimbo de um órgão governamental para que tenha valor. Melhor dizendo, você precisará não só de um carimbo, mas de uma aprovação em um exame de mérito para que sua propriedade industrial seja concedida. Sem esse exame e concessão de um órgão oficial específico, não há como realizar o enforcement, não há como entrar com uma ação judicial contra terceiros. No Brasil, quem concede marcas e patentes é o INPI. Nos EUA é o USPTO. Na Europa, o EPO. No Japão, o JPO

O direito autoral também traz uma particularidade que não está presente nos bens da propriedade industrial, essa particularidade é a subdivisão do direito do autor em: direito moral (não abdicável) & direito patrimonial (negociável). Uma das facetas do direito moral é o fato de que, o autor sempre deverá ser indicado ao final da obra, independente desse autor ter vendido ou não o direito de uso de sua obra, independente dessa obra ter entrado em domínio público. Outra faceta é o direito à integridade, o fato que o terceiro sempre poderá ser responsabilizado pelo vilipendio da obra do referido autor.

O direito patrimonial, por outro lado, se refere à possibilidade do autor de negociar sua obra livremente com terceiros ou de manter o uso exclusivo por si mesmo, até a entrada em domínio público da obra (70 anos após a morte do autor*)

Mas e o registro na biblioteca nacional? e o registro em cartório de registro de notas?

É possível, mas não é necessário o registro da letra ou partitura na biblioteca nacional

O registro na biblioteca nacional ou o registro em um cartório de registro de notas irá apenas garantir que em determinada data (ex. no dia 01.06.2019) um determinado indivíduo apresentou um documento afirmando ser o autor de determinada música ou obra autoral

Essa prova, contudo, sempre poderá ser contestada em juízo. Exemplo: quando um indivíduo apresenta uma letra de música a um terceiro e esse terceiro protocola na biblioteca nacional antes do referido indivíduo.

A única condição em que essa prova será inexoravelmente admitida em juízo, será em situações análogas à que segue: a parte A diz que criou a música em 2018; a parte B diz que criou a música em 2016; a parte B apresenta um registro na biblioteca nacional do ano de 2017. No exemplo narrado, não há como a parte A dizer que não copiou da parte B

Alternativas ao registro em cartório de notas ou registro na biblioteca nacional:

Há diversas alternativas para obtenção de uma prova equivalente ao registro na biblioteca nacional:

•  Email enviado para si mesmo;

•  Email enviado para os cantores, gravadores e demais interessados na sua música;

•  NDA assinado com os potenciais interessados;

•  Envio de correspondência física com a letra da música impressa dentro de um envelope para si mesmo (importante: abra o envelope somente mediante determinação judicial);

•  Publicação da letra em um blog e registro do blog no site way back machine;

•  Criação de documento pdf com a partitura e a letra;

•  Upload da música em rede social ou serviço de streaming;

•  Uso de serviços de securitização de PI via blockchain (serviço pago);

•  Arquivo de todos os rascunhos que atestem o processo de criação da obra.

Evidente que, assim como o registro na biblioteca nacional, essas provas não são incontestáveis. Evidente também que, quanto mais recursos forem usados para documentação dessas provas, melhor.

*entrando em vigor no dia 1 de janeiro do ano subsequente ao setuagésimo aniversário de morte do autor 

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