CONSIGO UMA “LIMINAR” NO JUDICIÁRIO?

INTRODUÇÃO

Este artigo visa a dar apenas uma noção básica ao leitor, na maioria das vezes não formado em direito, sobre os principais requisitos para se obter uma decisão liminar. O objetivo aqui é permitir que ele ou ela possa, diante das particularidades do seu caso concreto, ter uma ideia se conseguiria ou não obter uma decisão liminar, ao optar por bater às portas do judiciário para solucionar a sua disputa.

Do latim liminãre, a palavra liminar indica algo que é posto no início, no limiar, no começo. Em um processo judicial, “conseguir uma liminar” significa obter uma decisão no começo do processo; decisão esta que, via de regra, só seria dada no final do processo. 

A rigor técnico, uma “decisão liminar” é aquela dada sem nem ouvir o réu, ou seja, bem no início do processo mesmo, antes do contraditório. A despeito disso, apenas para tentar simplificar, o presente trabalho se vale da expressão “decisão liminar” para se referir tanto às decisões concedidas antes, como às decisões proferidas depois de ouvir o réu.

A conhecida garantia constitucional do “devido processo legal” contém uma série de outras importantes, tais como a do direito à ampla defesa e de influir no resultado do processo (contraditório), lembrando que o processo precisa ter uma duração razoável, de modo a permitir que as partes possam apresentar e debater seus argumentos e provas. 

Mas há casos excepcionais em que não dá para esperar o tempo do processo, pois essa “demora” pode causar um dano grave e de difícil reparação (para a parte ou para o processo), conhecido, no linguajar jurídico, como “perigo da demora” ou, em latim, “periculum in mora”.

Uma decisão liminar pode servir tanto para se evitar que o dano aconteça ou, já ocorrendo, que ele cesse o quanto antes. Logo, esse perigo de dano legitima a concessão de decisões liminares com base em urgência, ou seja, com base em uma situação emergencial, cuja solução não pode ficar para depois. 

Também é possível obter uma decisão liminar mesmo sem urgência (leia-se perigo de dano). É o que ocorre na chamada “tutela da evidência”, que admite a proteção antecipada de direitos quando é consideravelmente alta (evidente) a probabilidade de as alegações da parte serem verdadeiras.

Essa “probabilidade” deve ser entendida como algo capaz de ser provado/documentado (objeto de prova), bem como, ao mesmo tempo, uma verdadeira “análise matemática”, no sentido de aferir se é mais provável que o autor tenha razão do que o réu. 

Por isso, há quem diga que a tutela antecipada privilegia o provável em detrimento do improvável, ou seja, se é provável que o autor tenha razão e, claro, improvável que o réu a tenha, a “liminar” é dada ao autor. Caso contrário, lhe é negada, privilegiando o réu. 

Ainda sobre a tutela da evidência (“liminar sem urgência”), há situações em que o réu, mesmo depois de responder, apresentando suas alegações e provas, não consegue abalar o alto grau de probabilidade das alegações e provas do autor, ou então fica claro que a resposta do réu serve somente para protelar, o que consiste em abuso de seu direito de se defender. 

Nessas hipóteses, o ônus do tempo do processo é atribuído ao réu que provavelmente não tem razão, permitindo, portanto, que o autor goze, desde logo, dos efeitos que somente uma decisão dada no final do processo lhe propiciaria. 

Por esse racional é que a decisão liminar também é conhecida como antecipação da tutela, pois são antecipados os efeitos que somente a decisão final (sentença) produziria, quando satisfeitos os requisitos legais. E isso mesmo o juiz tendo um grau de conhecimento do processo muito pequeno (juízo de probabilidade), se comparado ao momento em que ele profere sentença, ocasião em que ele já conhece todas as alegações e provas das partes e tem certeza de como vai julgar a causa. 

Se os requisitos estão todos preenchidos, a lei processual diz que o juiz deve conceder a decisão liminar, ou seja, não é uma opção do magistrado, mas, sim, um dever. E a regra é a de que o juiz deve ouvir primeiro o réu para, somente depois disso (contraditório), decidir se dá ou não a decisão liminar em favor do autor.

Evidentemente, há casos excepcionais que autorizam a antecipação da tutela com base em urgência antes da citação do réu, ou seja, sem nem o réu apresentar sua resposta. É o caso, por exemplo, do réu que, ciente do processo, poderia destruir provas importantes ao julgamento do caso ou até mesmo relacionadas à existência da infração que motivou a briga judicial.

A lei processual também permite, para situações bem urgentes, que o autor peça somente a concessão de uma decisão liminar e nada mais. Se dada e o réu não se insurgir contra ela, a decisão fica estabilizada, i.e., mantida, pois o réu, mesmo intimado, com ela concordou, ao não recorrer.

Nos casos mais frequentes, o autor pede, por exemplo, que o réu seja obrigado a parar, desde o início do processo, de infringir sua patente, sob pena de multa diária e, ao final, depois de todas as provas e alegações serem apresentadas e debatidas, que essa decisão liminar seja confirmada e o réu declarado infrator da patente, bem como condenado a indenizar o autor pelos danos causados. Percebe-se que houve cumulação de pedidos, um de declarar/reconhecer a infração, e outro de condenação ao pagamento de indenização. (Na hipótese do parágrafo acima, o autor pede, apenas, uma ordem judicial urgente para o réu cessar o uso de sua patente e nada mais.)

A decisão liminar é uma decisão provisória e, por isso, pode ser revogada, se e quando, com a instrução do processo e o aumento do convencimento do juiz, ficar mais claro que ela não deveria ter sido dada. Essa decisão também deve ser confirmada ao final do processo, quando o juiz já tiver certeza sobre quem realmente tem razão. 

Então, ao final do processo, quando o juiz profere sentença, ele pode revogar, confirmar ou anular a decisão liminar. Tudo dependerá do seu convencimento ao final da causa quanto às alegações e às provas das partes.

Quando a “liminar” é dada em favor do autor, se ela depois vier a ser revogada, o autor responde objetivamente por todos os danos sofridos pelo réu com a execução da medida. Por exemplo: se o juiz ordenou o réu a parar de comercializar um determinado produto por provavelmente infringir a patente do autor, mas depois essa ordem foi revogada, pois ficou mais claro que, em verdade, não havia infração, o réu tem o direito de exigir do autor o pagamento de indenização por todos os danos que suportou enquanto cumpriu a decisão judicial liminar, tais como perdas de contratos e quaisquer outros prejuízos por ter deixado de vender o referido produto. 

 

REQUISITOS

   

Requerimento da Parte  

Via de regra, uma decisão liminar só pode ser concedida quando a parte formula requerimento expresso, que geralmente é feito no início do processo. Mas nada impede de, surgindo os requisitos no curso do processo, ou até mesmo na fase recursal (tribunal), a parte poder requerer a concessão de decisão liminar. 

 

Prova “inequívoca”

A chamada prova inequívoca deve ser entendida como a prova clara a ponto de não colocar em dúvida que a alegação do requerente tem aparência de ser verdadeira, i.e., de ser verossímil. 

Essas expressões (prova inequívoca e verossimilhança) foram utilizadas pela lei processual anterior, mas, a despeito de o novo código de processo tê-las abandonado e substituído por outras, a essência e aplicabilidade prática delas ainda permanecem.

A lei processual atual se vale da expressão “elementos que evidenciem a probabilidade do direito”, o que acaba abrangendo a prova clara cima mencionada capaz de indicar, para usar uma expressão elucidativa ainda empregada, a “fumaça do bom direito”, ou, em latim, fumus boni juris, como alguns juízes e advogados ainda gostam de chamar. 

Todos já devem ter ouvido a expressão “onde há fumaça, há fogo”. Pois, então, a ideia é essa; uma prova apta a demonstrar, mesmo que as alegações e provas iniciais ainda estejam “frescas”, que provavelmente o autor tem razão. 

 

Dano grave e irreparável, ou de difícil reparação 

A urgência se traduz, na prática, no perigo de ocorrer um dano grave e irreparável ou de difícil reparação (para a parte ou para o processo). Se o dano não é grave, o requisito não está satisfeito. Se o dano é grave, mas facilmente reparável ou indenizável, este requisito também não está preenchido. 

Nota-se que o dano precisa ser ao mesmo tempo grave e também irreparável ou de difícil reparação. Esses dois aspectos precisam ser cumulados. Caso contrário, não há o requisito da urgência que autoriza a concessão da decisão liminar. 

É importante dizer que o dano pode impactar tanto a parte quanto a efetividade do processo. O dano para a parte pode ser, por exemplo, a perda de clientela para um concorrente que viola a patente do autor, ampliando, assim, seu público, de forma ilegítima e desleal. 

Já o dano para o processo pode ser exemplificado, de uma maneira simples, quando se evita que o réu aliene seu patrimônio, já que este consiste na garantia do pagamento de uma possível indenização futura. Imagina o autor ganhar, mas não levar. O processo não alcançaria um resultado efetivo de reparar os danos do autor. Aí entra a decisão liminar para deixar esse patrimônio indisponível, evitando, assim, que o autor, ao ganhar a causa, consiga ser indenizado. 

Um outro exemplo de perigo de dano grave para o processo é a necessidade de produzir a prova do uso de um segredo industrial pelo concorrente. Somente com a produção dessa prova é possível formular pedidos de declaração de infração, de abstenção do uso do segredo e de indenização. Afinal, geralmente, o ônus da prova incumbe a quem alega. 

Outra qualidade do dano é ele ser irreparável ou difícil de o ser. Um dano considerado irreparável pelo ordenamento é aquele reputacional. Quando a excelente reputação do autor é manchada, dificilmente ela é recuperada. Isso acontece muito em casos de publicidade comparativa denegritória. 

A conhecida frase “leva-se anos para construir confiança e segundos para perdê-la” é elucidativa. Quando esse é o caso, está-se diante de um dano irreparável, por mais que o réu tenha muito dinheiro para indenizar o autor por todos os danos ocasionados.

Danos de difícil reparação se relacionam geralmente à falta de capacidade do réu de indenizar o autor pelo dano grave que lhe ocasionou; Também se refere à dificuldade fática de o autor conseguir retornar ao estado anterior ao da agressão do réu (ao da prática do ilícito).

 

CONCLUSÃO 

O instituto da tutela antecipada está intimamente ligado ao direito fundamental ao “processo justo”, que abarca a garantia constitucional de uma duração razoável do processo para alcançar bons resultados no processo civil. 

Os requisitos positivos mais elementares giram em torno da fumaça do bom direito e do perigo da demora (urgência). Há também a “liminar” mesmo sem urgência, em situações como abuso de defesa pelo réu, demanda incontroversa ou quando o direito do autor é evidente e as alegações e provas apresentadas pelo réu não suscitam dúvidas razoáveis quanto à falta de razão do autor. 

A aplicação prática do instituto da tutela antecipada visa a cumprir a intenção do legislador, evitando que a demora do processo resulte em danos graves variados. O estudo e a análise desse tema têm como objetivo auxiliar os leitores a avaliarem se teriam ou não direito a uma liminar em seus processos judiciais.

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