Medicamentos Homeopáticos são patenteáveis no Brasil?

A resposta curta é “Sim!”. No entanto, para que um inventor consiga percorrer todo o processo de exame do seu pedido de patente pelo INPI, é preciso atentar aos critérios de patenteabilidade e aos possíveis questionamentos que podem ser levantados.

Desde 1996, medicamentos são patenteáveis no Brasil, o que inclui os homeopáticos. Como de praxe, para a avaliação de pedidos de patente, é preciso que os critérios de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial sejam atendidos. Esses critérios se encontram definidos na Lei da Propriedade Industrial, lei 9279 de 1996 e a discussão sobre os mesmos pode ser encontrada no seguinte vídeo.

Para o desenho de uma argumentação que dê conta dos critérios de patenteabilidade, é importante termos em mente como o examinador procederá com a avaliação da sua invenção. Como documento de base para guiar a avaliação de novos medicamentos, os examinadores utilizam as “Diretrizes de Exame de Pedido de Patentes na Área de Química”. Esse documento destrincha os critérios de patenteabilidade, explorando as formas mais adequadas de reivindicações. Nele são destacados também pontos importantes a se atentar ao se escrever um pedido de patente de um novo medicamento e os processos e usos relacionados a este.

Ademais, devido ao fato de muitos medicamentos homeopáticos fazerem uso de extratos de plantas e/ou outros organismos vivos, é importante atentarmos também para a lista de materiais não patenteáveis definida no Artigo 10 da LPI, que inclui o todo ou parte de seres vivos e materiais biológicos. Nesse caso, os examinadores utilizarão as “Diretrizes de Exame de Pedidos de Patentes na Área de Biotecnologia” como guia para a avaliação da invenção.

Um Breve Histórico Sobre Medicamentos Homeopáticos

O uso de medicamento homeopáticos data do final do século XVIII, quando Samuel Hahnemann publicou sua primeira dissertação sobre o tema. De lá para cá, a homeopatia vive uma constante controvérsia. Em publicação de 2005 da revista Lancet intitulada  “Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy”, foi realizado uma análise de mais de 100 estudos clínicos com medicamento homeopáticos com o objetivo de avaliar a eficácia dos homeopáticos. Como conclusão, o artigo afirma que os efeitos observados podem ser explicados como placebo e que a maioria dos estudos carece de metodologia adequada. Por outro lado, existem estudos que afirmam que o uso de tais medicamentos traz benefícios quando integrados com outros métodos da medicina moderna. Melhoras foram apontadas no tratamento de diversas condições, tais como periodontite crônica e disfunção de atenção. Apesar da controvérsia, medicamentos homeopáticos são hoje aceitos pela ANVISA. Tal aceitação se consolida hoje no chamado Formulário Homeopático da ANVISA, que teve sua segunda edição lançada no ano de 2019.

De modo geral, o interesse de pesquisadores e inventores no desenvolvimento e uso de novos medicamentos homeopáticos permanece de pé. Sendo assim, neste artigo iremos explorar como proceder com a proteção desses novos medicamentos.

Novidade, Atividade Inventiva e Aplicação Industrial

Devido à ampla catalogação e publicação de estudos sobre homeopatia, muitos dos insumos (moléculas, extratos vegetais, entre outros) já são de conhecimento público. Somado a esse fato, as próprias técnicas de preparo, tais como a diluição (decimal, centesimal, etc.) e a combinação de compostos, também são de conhecimento público. Como resultado, a argumentação para proteção do medicamento deve ser estruturada de forma cuidadosa, atentando para que os critérios de novidade e atividade inventiva se tornem evidentes.

requisito de novidade pode ser alcançado através de diversos métodos. A combinação inédita de substratos para composição farmacêutica pode ser uma saída simples e interessante. Alternativamente, o medicamento pode ser protegido através do patenteamento do seu processo de produção, e não necessariamente pela proteção do medicamento em si. Esta estratégia foi utilizada em patentes concedidas pelo INPI, como a PI-9502977-0. Nesta patente, o processo foi a principal matéria de reivindicação e o medicamento especificado fica protegido por ser obtido somente através desse processo.

Com respeito ao critério de atividade inventiva deve-se tomar o cuidado para que a composição farmacêutica ou processo de produção associado não seja de natureza óbvia. Preferencialmente, a combinação dos substratos presente no medicamento deve levar a um aumento de eficiência inesperado no controle da doença ou condição médica de interesse. Este efeito aumentado deve ser maior que a simples soma dos efeitos dos componentes separados, alcançando o que os doutrinadores chamam de “efeito técnico inesperado”. Os indícios desse efeito podem ser fornecidos no corpo do descritivo ou mesmo em exemplos fornecidos pelo inventor.

Ainda quanto ao critério de atividade inventiva, o amplo conhecimento das técnicas de diluições na homeopatia faz com que o uso dessa técnica não configure nada de inventivo. Sendo assim, deve-se evitar o uso dessa característica para fundamentar novidade e inventividade na invenção. Estratégias como a citada no parágrafo anterior devem ser priorizadas.

Outro ponto de importante diz respeito a forma como a composição do medicamento é descrita. Tendo em mente que os examinadores são técnicos formados nos moldes da Ciência Moderna é importante ressaltar quais as propriedades físico-químicas que caracterizam seus componentes. Parâmetros como absorção de luz, peso molecular, concentrações molares, estrutura molecular, condutividade, entre outros devem ser sempre incluídos no descritivo da invenção. Essas propriedades devem ser utilizadas em detrimento daquelas que se referem as suas funcionalidades terapêuticas, conforme orientado nas “Diretrizes de Exames de Pedido de Patentes na Área de Química”, mais especificamente no item 6.1. Ademais, ao fazer isso, o inventor fornece parâmetros para que outros produtos e invenções possam ser enquadradas como infração frente a patente. Este não seria o caso se a invenção estivesse apenas descrita em termos de sua funcionalidade. Por exemplo, dizer que o medicamento é caracterizado por controlar o desenvolvimento de câncer de mama não é o suficiente para diferenciá-lo dos demais medicamentos contra câncer de mama.

Adicionalmente, como muitos dos medicamentos homeopáticos utilizam geralmente diluições de 100 elevado à 12ª potência (C12) ou até 100 elevado à 50ª potência (C50), o examinador pode levantar o questionamento de que a composição, na verdade, contém apenas solvente (normalmente água e álcool), não se configurando como material passível de proteção por se enquadrar Artigo 10 da LPI como material natural. Sabendo desta possibilidade, é crucial que no descritivo da patente se reforce de maneira clara que os componentes do medicamento se encontram em dose baixíssimas, e não que se encontram ausentes. Dessa forma, a argumentação de que o medicamento é apenas solvente fica de mais difícil de ser sustentada pela examinador. Indo mais além e sendo mais específico, é interessante fornecer no corpo do descritivo ou em exemplos configurações da composição medicamentosa nas quais seja a diluição mais baixa, geralmente a C12, apresentando, pelo menos, uma molécula no volume destinado a uma administração do dito medicamento.

O tipo de descrição e caracterização proposto nos parágrafos acima contribui também para que o técnico na área tenha um bom entendimento da invenção como um todo, o que contribui para o entendimento de que esta se encontra revelada de maneira clara e objetiva. Com isso a invenção ganha também maior plausibilidade e consequentemente maior potencial de atendimento ao requisito de aplicação industrial (a discussão deste critério é explorada em detalhes no artigo plausibilidade & aplicacao industrial desse mesmo blog).

Além de atentar a esses pontos, pode ser favorável delimitar o escopo de proteção medicamento para aplicação no tratamento de enfermidades específicas, de modo a tornar as reivindicações mais robustas contra possíveis anterioridades identificadas pelo INPI.

Uso de Material Biológico

No caso de o medicamento homeopático fazer uso do todo ou parte de seres vivos ou de qualquer material biológico, será de extrema importância atentar para as restrições impostas pelo Artigo 10 da LPI. 

‘Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:

I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;

 II – concepções puramente abstratas;

III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;

IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;

V – programas de computador em si;

VI – apresentação de informações;

VII – regras de jogo;

VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.”   

Segundo a definição encontrada nas “Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente na Área de Biotecnologia” do INPI, entende-se por “material biológico encontrados na natureza”:

‘“materiais biológicos encontrados na natureza” englobam o todo ou parte de seres vivos naturais, além de extratos, lipídeos, carboidratos, proteínas, DNA, RNA, encontrados na natureza ou ainda que dela isolados, e partes ou fragmentos dos mesmos, assim como, qualquer substância produzida a partir de sistemas biológicos, por exemplo hormônios e outras moléculas secretadas, vírus ou príons. Vale salientar que moléculas sintéticas idênticas ou indistinguíveis de suas contrapartes naturais também estão enquadradas nessa definição’

Conforme exposto no artigo acima teríamos dificuldade em patentear um medicamento que se caracteriza apenas pela presença de determinado extrato ou composto biológico. De acordo com o próprio INPI:

‘Uma reivindicação de composição cuja única característica seja a presença de um determinado produto confere proteção também para esse produto em si. Dessa forma, uma reivindicação de composição caracterizada tão somente por conter um produto não patenteável (por exemplo, um extrato natural), não pode ser concedida, uma vez que viria a proteger o próprio produto não patenteável. Ou seja, aqui com mais razão do que nos casos de componentes patenteáveis, são necessários na reivindicação parâmetros ou características que determinem sem sombra de dúvida que se trata de uma composição de fato.

Nesses casos, um cuidado especial deve ser tomado com relação ao texto da reivindicação no que se refere ao(s) outro(s) componente(s) da composição em questão, de forma a evitar que esta represente, em última análise, uma mera diluição (uma solução aquosa, por exemplo) do produto não patenteável. Tendo em mente que uma composição tem por finalidade colocar o(s) componente(s) ativo(s) em uma forma adequada ao propósito a que se destina, uma “mera diluição” seria aquela em que o solvente não contribui para esse propósito final, sendo apenas o meio usado para a extração. Assim, é possível que o extrato aquoso ou etéreo de uma determinada planta, por exemplo, embora contenha um componente (solvente de extração) além do próprio extrato, não represente uma composição pronta para ser utilizada em seu objetivo final, e esse mesmo extrato diluído em outro solvente (utilizado para, por exemplo, tornar o ativo absorvível) represente uma composição de fato, e não uma “mera diluição”.

Para que o pedido não esbarre nos impedimentos no artigo 10 da LPI, é preciso detalhar o máximo possível as características do medicamento quanto aos possíveis efeitos técnicos novos ou inesperados, fruto da combinação específica das diversas moléculas que atuam como ingredientes ativos e os solventes no qual estão dispersas.

Uma maneira de desviar do artigo 10, principalmente no que tange ao uso de extratos de origem natural, seria o uso dos chamados extratos enriquecidos, no qual apenas alguns componentes específicos têm sua concentração alterada. É possível argumentar que esses extratos não possam ser encontrados em condições naturais sendo fruto direto de intervenção humana, consequentemente contornando o artigo 10.

Vale ressaltar, que no caso de uso de qualquer material biológico, o pedido de patente deverá ser acompanhado do pedido de acesso ao chamado Patrimônio Genético Nacional. Esse tema é importantíssimo e é tratado em maiores detalhes no artigo “CGEN, SISGEN & PATRIMÔNIO GENÉTICO” desse mesmo blog.

Conclusão

Em suma, medicamentos homeopáticos podem ser patenteados! No entanto, é preciso se desenhar de maneira clara e estruturada uma estratégia de redação do descritivo e reivindicações do pedido de patente. Atentar as exigências e proibições determinada pela LPI e aos critérios de avaliação do INPI é essencial! Somente assim será possível redigir um pedido de patente que dê conta dos possíveis questionamentos levantados pelo INPI durante o processo de exame.

 

 

 

imagem de oconsultorempantes.com baseada em montagem de fotografias do site unsplash.com

Danilo Zampronio

danilo.z@mnip.com.br

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