Vamos supor que você acabou de criar uma invenção nova, algo que tem um valor muito alto a ser agregado ao segmento no qual ela se encontra. Para proteger essa invenção de terceiros, você decide a patentear. Antes de tudo, contudo, é primordial que o inventor questione se a sua criação é de fato patenteável.
A Lei de Propriedade Industrial (LPI) define, em seus artigos 10 e 18, o que não é patenteável. É importante entender o que não é patenteável e o porquê para evitar frustrações, bem como desperdício de tempo e dinheiro. Imagine que você inventou um novo software per se que vai revolucionar a indústria. Você o decide patentear para proteger seus direitos sobre sua invenção. Após fazer o pedido da patente junto ao INPI, recebe um parecer negativo – tudo porque softwares não são patenteáveis. Ao conhecer os artigos 10 e 18 da LPI você pode evitar essa dor de cabeça.
Desde o século XV existem restrições sobre o que é ou não patenteável. A lei de patentes de Veneza, de 1474, já registrava que a grande maioria das patentes concedidas diziam respeito à solução de um problema prático; invenções “inúteis” não eram patenteáveis. O Patent Act dos Estados Unidos da América de 1790, em sua primeira seção, mostra que o ato é para “promote the progress of useful arts”. Desde 1996 o Brasil tem a LPI, que, entre outras coisas, define o que é ou não objeto de patente em seus artigos 10, 15 e 18.
Artigo 15 da Lei de Propriedade Industrial (LPI)
O artigo 15 aborda a ideia da aplicação industrial, que é um dos requisitos para a patenteabilidade de invenções. A falta de aplicação industrial é justamente o motivo de alguns dos itens exemplificados no artigo 10 não serem patenteáveis. Para que haja aplicação industrial a invenção e o modelo de utilidade devem poder ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.
Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.
Artigo 10 da LPI
O artigo 10 da LPI apresenta o que não se considera invenção nem modelo de utilidade:
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V – programas de computador em si;
VI – apresentação de informações;
VII – regras de jogo;
VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
I – Descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos
A descoberta em si consiste em uma observação de algo, apenas identificado pelo homem; não constituindo, portanto, uma invenção. Para as teorias, por outro lado, falta a aplicação industrial. Métodos matemáticos são abstratos e “soltos”, também sem aplicação industrial. Um produto, porém, que aplique teorias científicas ou métodos matemáticos, pode ser objeto de patente. Como exemplo, imagine que você inventou uma nova teoria científica, que quando aplicada na indústria gera um produto novo e inventivo. Apesar deste produto poder ser patenteável, a teoria em si não é.
II – Concepções puramente abstratas
Como no item I, neste também se trata da falta da aplicação industrial.
III – Esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização
Apesar de serem criações práticas que resultam da atividade intelectual, não constituem invenção, pois não visam a solução de nenhum problema técnico.
IV – Obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética
Este inciso trata, novamente, de objetos aos quais falta a aplicação industrial. Apesar disso, as criações deste inciso podem ser objeto de proteção por direito autoral. A obra científica que aqui é citada não trata do conteúdo, por exemplo, de um artigo científico, mas sim do artigo em si. Ou seja, o conteúdo de um artigo, por exemplo, pode ser patenteável, mas o artigo per se não é.
V – programas de computador em si
Este inciso se refere ao código fonte ou ao conjunto de instruções escrito em uma linguagem de programação. Por ser objeto de direito autoral, não é patenteável. Existem, porém, as “software inventions”, que são patenteáveis. Software inventions são aquelas criações que combinam características de processo ou de produto com etapas executadas por um programa de computador. O Consultor em Patentes tem um e-book gratuito que discorre sobre patentes de software neste link.
VI – apresentação de informações
A apresentação per se e a parte estética da apresentação não são patenteáveis, apesar de uma forma de apresentação de informações que envolva também aspectos técnicos, proporcionando solução para um problema, pode ser patenteável. Por exemplo, uma nova forma de apresentar informações que utilize de recursos multimídia, desde que seja inventiva, pode ser patenteada, enquanto a apresentação feita por meio dessa nova forma de apresentar não pode.
VII – regras de jogo
Novamente, não há aplicação industrial. Apesar do fato de peças de jogos ou tabuleiros, assim como o jogo em si, podem ser patenteados, o que é o caso do famoso jogo de tabuleiro Monopoly.
VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal
Apesar disso, métodos de diagnóstico executados fora do corpo humano ou animal são entendidos como patenteáveis.
IX – Seres vivos e materiais biológicos
Como no inciso I, se trata de descobertas, não de invenções. Se é algo natural, é algo que foi descoberto pelo homem, não por ele produzido ou inventado. Ainda, mesmo que uma molécula, proteína ou qualquer parte de um ser vivo tenha sido obtido por um método completamente artificial, este objeto não será patenteável caso possua correspondente encontrado na natureza. Um exemplo disso é a carne sintética, que pode ser produzida em laboratório de maneira artificial, mas não pode ser patenteada devido a este inciso da LPI.
Artigo 18 da LPI
O artigo 18 também discorre sobre o que não é patenteável.
Art. 18. Não são patenteáveis:
I – o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas;
Previsto para evitar a colisão com certos valores sociais, para evitar que o estado tenha sua reputação associada a patentes que afrontem a ética, além de ser necessária a proteção da segurança, ordem e saúde públicas, de modo a não haver patentes que endossem um risco à sociedade.
II – as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e
Nem toda técnica do campo nuclear diz respeito à transformação do núcleo atômico, portanto estas não estão inclusas nesta exceção. As que dizem respeito a esta transformação, porém, não são patenteáveis.
Seres vivos e microrganismos transgênicos
III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
No código de 1971, não há a restrição de seres vivos serem patenteáveis. Porém, na prática, não eram concedidas patentes para plantas e animais, somente nos últimos anos de sua vigência que o INPI passou a conceder patentes referentes a microrganismos. Hoje podemos patentear somente microrganismos transgênicos, desde que atendam os três requisitos de patenteabilidade.
Conclusão
Apesar de serem vários incisos determinando o que não é patenteável, eles se resumem a 3 aspectos, os requisitos de patenteabilidade. Novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. A primeira se refere a invenção ser algo novo; atividade inventiva se refere a invenção não ser algo óbvio e decorrente de outras coisas que já existam; e a aplicação industrial, que foi abordada no artigo 15 da LPI, se refere à utilidade da invenção, à sua resolução de um problema do estado da técnica e sua reprodutibilidade. Se sua invenção atende estes 3 requisitos, é muito provável que seja patenteável. Com tudo isso em mente, você está um passo mais próximo de proteger a sua nova invenção.