Repetibilidade como critério de determinação de aplicação industrial

Quando tratamos dos requisitos básicos de patenteabilidade (artigo 8º Lei 9279 de 1996), muito é falado sobre “atividade inventiva” e “novidade” e muito pouco é discutido sobre “aplicação industrial” .

A seguir, vamos discutir uma das facetas do requisito de aplicação industrial, a necessidade do atendimento ao sub-requisito de “repetibilidade”.

Por repetibilidade, entenda-se, a capacidade de um terceiro reproduzir determinada tecnologia descrita em um pedido de patente. Isso não se confunde com “suficiência descritiva”, requisito postulado no artigo 24 da Lei de Propriedade Industrial (lei 9279 de 1996), que se relaciona à descrição clara da invenção, revelando todos os seus detalhes, sem esconder o “pulo do gato” da tecnologia pleiteada. Repetibilidade tem mais a ver com a possibilidade técnica de execução sucessiva da mesma invenção no plano real.

Nas palavras do doutrinador Denis Borges Barbosa: “para um conhecimento técnico justificar a patenteabilidade, ele deve ser suscetível de aplicação repetível em escala industrial.” (Denis Borges Barbosa – Utilidade Industrial – 01/02/2015)

A própria gênese do sistema de patentes tem fundamento nesse conceito. O privilégio da exclusividade de comercialização/produção/uso de uma determinada tecnologia é concedido a um terceiro como contraponto ao ensinamento que um inventor irá prover à sociedade, ao revelar sua invenção em um documento de patente.

Se o titular inventa algo que só pode ser utilizado por ele mesmo, qual o sentido da concessão do monopólio instrumental pelo estado? Em outras palavras, qual seria a função social da patente para algo que mesmo após o exaurimento do tempo de vigência da patente não pudesse ser fabricado por outrem? Aliás no que tange à função social das patentes cabe aqui citar o inciso XXIX do art 5° da CF:

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; (inciso XXIX art 5º da CF)

A princípio parece difícil elucubramos sobre algo que apesar de constituir um objeto técnico, que apesar de resolver um problema do estado da arte, esse algo carece de replicabilidade. Entrego aqui uma situação inventada (criada pela mente do autor que vos escreve) e duas das quais já presenciei no plano real:

i- situação inventada (nunca ocorreu, mas poderia ocorrer algo do tipo): imagine que uma empresa construtora de satélites de comunicação decide comprar 60% de todo o nióbio presente no mundo para a construção de um satélite dotado de propriedades únicas. Imagine que a tecnologia deste novo satélite só possa ser desenvolvida com a detenção de 60% do nióbio do mundo (que hipoteticamente é de 5 toneladas ao todo*). Se ninguém mais terá nióbio suficiente para lançar outro satélite com as mesmas funcionalidades, qual o seria a função social desse documento de patente?

*o exemplo dado aqui é meramente didático, a reserva total de Nióbio global é muito maior que isso.

ii – situação real 1 (essa eu presenciei) : imagine que um geólogo de uma mineradora cria um novo método de exploração de uma mina que só pode ser aplicado em uma região específica de um município específico, dada as características intrínsecas do solo e do minério encontrado na dita região. Nesse caso em particular, imagine que a dita região está integralmente compreendida em um terreno de concessão exclusiva da dita mineradora. Qual seria o interesse de terceiros nesse documento? Nesse caso, a orientação dada ao cliente foi: não prosseguir com a patente, pois as chances de indeferimento futuro seriam muito altas; não obstante, por motivos óbvios não havia qualquer vantagem comercial na titularidade daquele documento.

iii – situação real 2 (essa eu li um parecer de um caso de um terceiro): Parecer desfavorável (7.1) ao caso BR102013008035-7, publicado na RPI 2300 de 03.02.2015. 

A tecnologia descrita em BR102013008035-7, segundo o examinador do INPI, consiste em um método de reflorestamento de seringueiras adaptado a um terroir específico. Por terroir, entenda: um solo, uma altitude, inclinação de terreno, Índice de pluviosidade e clima específico. 

Neste caso em concreto o examinador se manifestou favorável ao indeferimento do pedido de patente por entender que não havia repetibilidade na tecnologia em questão já que o dito método era compatível apenas com uma área muito limitada de terreno, quiçá uma área compreendida integralmente na propriedade rural do titular do documento:

No entanto, a reivindicação única do pedido carece de aplicação industrial. Embora este requisito tenha uma relativa abrangência, englobando inclusive a agricultura num conceito amplo de “indústria”, a matéria em tela não atende ao princípio de reprodutibilidade e repetibilidade, uma vez que trata-se se uma técnica de reflorestamento ou obtenção de seringais que envolve a implantação de plantas em um determinado ambiente, cujo resultado final é determinado por fatores não-controláveis. Dentre estes fatores destacam-se, pelo menos: a) fatores climáticos (temperatura, precipitação, umidade do ar, etc); b) fatores edáficos (condição, estrutura, composição e profundidade do solo, etc); c) fatores geográficos (relevo, clima, ecossistemas adjacentes, etc). RELATÓRIO DE EXAME TÉCNICO do documento BR102013008035-7 (parecer de indeferimento 7.1) Lúcia Aparecida Mendonça e Átila Bento Beleti Cardinal de 09 de dezembro de 2014 pg 3 (baixar parecer)

imagem: Ford Assembly Line – Author Unknown 1913 image in public domain edited by oconsultorempatentes.com 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *