Últimos 35 anos do sistema de patentes americano

Um assistente na Suprema Corte americana chamado Abe Fortas certa vez disse que a reação típica de um juiz que se depara com uma patente é análoga à reação do homem que se depara com uma cobra: seu instinto natural lhe diz para tentar matá-la. A visão de Fortas refletiu o panorama das cortes americanas em meados do século XX; nesta época, raramente foram concedidas decisões favoráveis aos titulares de patente (seja pela arguição da validade de uma patente ou pela determinação de infração de uma patente por um terceiro).

A aurora de um tempo mais a favor dos titulares das patentes, veio com o caso Diamond v. Chakrabarty em 1980, quando a suprema corte americana decidiu por cinco votos a quatro que microorganismos geneticamente modificados eram patenteáveis (N.T. no Brasil desde 1996 esses organizamos gozam do privilégio, vide Art 18 III da lei 9279 de 1996). Em seguida, em 1982, veio a criação pelo congresso norte-americano da Court of Appeals for the Federal Circuit (um Tribunal de Recursos Federal, doravante “corte recursal”) como a única corte americana com competência para recursos na área de patentes.

O primeiro presidente da Corte Recursal foi Howard Markey, um piloto da segunda guerra mundial, altamente gabaritado e premiado pelas forças armadas americanas, que após o término da guerra se especializou como advogado da área de patentes. Howard era extrovertido, muito inteligente e também era um dos poucos generais não-presunçosos aposentados na força aérea. Suas opiniões continuam perspicazes e agradáveis de ler até os dias atuais.

Ao lado de Howard Markey, trabalharam Giles Sutherland Rich, nascido em Rochester, filho de um advogado de patentes da Kodak. O juiz Rich junto com Pasquale Federico forjou o estatuto de patentes de 1953, a primeira revisão do sistema de patentes americano desde de 1870. As opiniões do juiz Rich eram pontuadas pelo seu profundo conhecimento na lei de patentes. Em 1984, após a inclusão de outros nove juízes, a Corte Recursal  agregou o nome de Pauline Newman, um químico Phd de Yale, que trabalhou como cientista pesquisador pelo American Cyanamid e pela FMC Corp como advogado da área patentes. Juntos, essas cabeças iniciaram a era de ouro da área de patentes.

 

Pelos 10 anos seguintes, as patentes foram defendidas e seus infratores foram condenados. Patentes viraram um título de propriedade muito importante. Com alguns processos judiciais obtendo êxito em meados da década de 80, os litígios passaram a ser bem mais frequentes nessa área. A prática da área de patentes se transformou de uma área renegada ao back-office de grandes empresas para uma prática considerada de alta lucratividade e importância. A era pró-patentes alcançou seu ápice em 1998 com o caso State Street Bank vs Signature Financial Group, em que a Corte Recursal determinou que planos de negócio eram patenteáveis (N.T. no Brasil eles não são considerados patenteáveis, vide Art 10 – III da Lei 9279 de 1996).  

De todo modo, o pêndulo está sempre se movimentando…

É da natureza humana querer cada vez mais, quando lhe dão a mão você quer o braço, e assim sucessivamente… Os agentes da propriedade industrial americanos queriam muito mais que um braço. Some-se a isto o fato de que os examinadores do escritório americano de patentes (USPTO) não tinham expertise algum no exame de novas áreas tecnológicas. O resultado dessa combinação foi a concessão de patentes que não deveriam ter sido concedidas.

Não obstante, a opinião pública – nesse momento todo o público tinha adquirido familiaridade com o sistema de patentes  – começou a mudar de opinião em relação ao sistema de patentes. Nesta mesma época a humanidade testemunhou o alvorecer de duas tecnologias muito prolíficas: a ciência da computação e a biotecnologia. Não parecia justo alguém dominar o básico de uma nova tecnologia (biotecnologia ou computação) e bloquear o progresso da ciência nessa área do conhecimento (N.T. para mais sobre esse tema, pesquisa por “essential patents”). Também não parecia justo que uma empresa farmacêutica poderia, em virtude um monopólio instrumental, vender a preços extremamente altos seus medicamentos essenciais à preservação da vida de um indivíduo. Os resultado da confluência dos interesses mais audaciosos dos titulares com a opinião pública desfavorável ao sistema de patentes foi o início da era em que as cortes americanas passaram a procurar motivos para invalidação de patentes.

Tanto na área de biotecnologia como na área de softwares, 2010 foi um divisor de águas. A maré começou a diminuir após o caso In Ariad vs Eli Lilly, onde a Corte Recursal adotou um sistema para invalidação de reivindicações que nunca havia sido utilizado antes. Isso permitiu às cortes a invalidação – e o indeferimento pelo USPTO – de reivindicações muito amplas, sobretudo na área de biotecnologia. Como a nova decisão do caso Ariad vs Eli Lilly era baseada em uma interpretação da lei vigente, em vez de uma interpretação das particularidades do caso em análise, esse precedente jurídico teve repercussão em outros campos tecnológicos, dando muito trabalho aos agentes da propriedade industrial nesse momento em diante.

Na mesma época, no caso Bilski vs Kappos, a Suprema Corte Americana começou a restringir o tamanho do escopo que poderia ser protegido nas patentes da área de computação. A Suprema Corte continuou na mesma linha ação em 2014 com o caso Alice vc CLS Bank, em que a matéria sujeita a proteção por patentes se tornou ainda mais restrita na área de computação. Pouco antes disso, em 2012, o congresso americano criou um novo mecanismo para facilitar a nulidade de patentes, sobretudo as patentes relacionadas a planos de negócio.

Em 2013 a suprema corte também reduziu o escopo da matéria considerada patenteável na área de biotecnologia com a decisão no caso Association for Molecular Pathology vs Myriad Genetics. Revertendo anos de prática na área de patente, a corte determinou que um segmento isolado de DNA não era patenteável porque sua sequência era a mesma que a porção da sequência embebida no DNA nativo de um ser vivo – mesmo que não existisse formas isoladas desse segmento na natureza. Essa decisão também teve repercussões em outras tecnologias onde o fruto da purificação de substâncias químicas de origem natural não foram a partir de então consideradas patenteáveis por simples decorrência de seu isolamento e purificação.

Em 2014, no caso Gilead vs Natco, o Court of Appeals promulgou uma linha de raciocínio que permitiu uma jurisprudência diminuir o período de vigência de múltiplos documentos compreendidos por uma família de patentes. O caso Gilead continua a gerar insegurança jurídica, particularmente à indústria farmacêutica, para qual o tempo de espera entre desenvolvimento e comercialização de produtos é muito longo e dispendioso fazendo com que o período de vigência da patente seja de suma importância.

Desde a virada do século, entramos em um período mais sóbrio da área de patentes, onde para obtermos êxito na proteção de inovações tecnológicas, as patentes precisam ser redigidas com um olhar mais conservador, não obstante, elas precisam ser acompanhadas administrativa e juridicamente com o maior cuidado possível. As patentes ainda possuem grande valor econômico e importância nos dias atuais – tal como intencionava a constituição americana – mas certamente têm hoje um valor menor do que outrora tiveram. Teremos de voltar ao ponto de nos precavermos de qualquer detalhe que possa tornar nossas patentes uma cobra aos olhos de um juiz.

Os 12 juízes da Court of Appeals – Sharon Prost (direito do trabalho, Pauline Newman (Ph.D. em química e direito patentário), Alan David Lourie (Ph.D. em química orgânica e direito patentário), Timothy B. Dyk (especialista em litígio em patentes), Kimberly Ann Moore (direito patentário), Kathleen M. O’Malley (especialista em litígio em patentes), Jimmie V. Reyna (direito alfandegário e comercial), Evan Wallach (direito internacional), Richard G. Taranto (graduado em matemática), Raymond T. Chen (direito patentário), Todd M. Hughes (litígio em direito comercial), Kara Farnandez Stoll (direito patentário) – se alternam na composição de turmas de três juizes para julgar casos de patentes.

Philip E. Hansen

Tradução: oconsultorempatentes.com

 

Artigo original: vide link

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *