Artigo 32 da LPI: aplicabilidade em pedidos de patente

Durante o processamento de um pedido de patente no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), o depositante da invenção goza de até 36 meses contados a partir da data de depósito para solicitar o exame técnico do seu pedido, conforme definido no Art. 33 da LPI (Lei de Propriedade Industrial – Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996):

“Art. 33. O exame do pedido de patente deverá ser requerido pelo depositante ou por qualquer interessado, no prazo de 36 (trinta e seis) meses contados da data do depósito, sob pena do arquivamento do pedido.” (grifos nossos)

A fim de explorar o que é ou não permitido de se fazer antes e depois do requerimento de exame técnico, vamos pensar em situações fictícias (mas bastante possíveis) para um depósito de pedido de patente: é traduzido erroneamente algum detalhe oriundo do documento de prioridade; o depositante quer restringir o escopo de proteção do pedido de patente, ou seja, torná-lo menos abrangente, pois descobriu um fato novo que pode dificultar a concessão da patente à sua invenção; ou ocorreu um erro na digitação do pedido de patente, sendo necessário seu ajuste na redação para o entendimento completo da invenção. Para esses casos, a LPI assegura ao depositante o direito de realizar emendas voluntárias, desde que tais emendas estejam em conformidade com o Art. 32, conforme será explicado melhor adiante.

EMENDAS VOLUNTÁRIAS NA LEGISLAÇÃO ANTERIOR

Inicialmente, o Código de Propriedade Industrial (CPI) de 1971, substituído pela vigente LPI, estabelecia que alterações no quadro reivindicatório (QR) somente eram permitidas quando o Examinador do INPI formulasse exigências, salvo situações em que era necessário “esclarecer, precisar ou restringir o pedido”, conforme o Art. 18 e 19 da CPI de 1971 abaixo.

“Art. 18. O pedido de privilégio será mantido em sigilo até a sua publicação, a ser feita depois de dezoito meses, contados da data da prioridade mais antiga, podendo ser antecipada a requerimento do depositante.

(…)

3° O relatório descritivo, as reivindicações, os desenhos e o resumo não poderão ser modificados, exceto:

a) para retificar erros de impressão ou datilográficos;

b) se imprescindível, para esclarecer, precisar ou restringir o pedido e somente até a data do pedido de exame;

c) no caso do artigo 19, § 3º.”

“Art. 19. Publicado o pedido de exame, correrá o prazo de noventa dias para apresentação de eventuais oposições, dando-se ciência ao depositante.

(…)

3° Por ocasião do exame, serão formuladas as exigências julgadas necessárias, inclusive no que se refere à apresentação de novo relatório descritivo, reivindicações, desenhos e resumo, desde que dentro dos limites do que foi inicialmente requerido.” (grifos nossos)

EMENDAS VOLUNTÁRIAS NA LEGISLAÇÃO ATUAL

Com a LPI de 1996, no entanto, um novo entendimento foi dado ao referido artigo, passando a ser possível o depositante realizar emendas voluntárias do quadro reivindicatório. Cabe destacar que emendas voluntárias representam alterações feitas por iniciativa do próprio depositante do pedido de patente. Esse tipo de emenda pode ser realizado até a data limite para o requerimento do exame técnico, de modo a esclarecer ou definir o respectivo pedido de patente, conforme o Art. 32 da LPI abaixo.

“Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido.” (grifos nossos)

Cabe destacar ainda que o termo “matéria inicialmente revelada” se entende como toda matéria contida no pedido de patente original apresentado no ato do depósito do pedido, no relatório descritivo, quadro reivindicatório, desenhos (caso esteja disponível), resumo ou listagem de sequências (caso esteja disponível).

Em outras palavras, o Art. 32 da LPI assegura ao depositante do pedido de patente a possibilidade de alteração, de forma voluntária, do quadro reivindicatório originalmente depositado até a data de solicitação do exame do pedido de patente, desde que as mudanças pretendidas se limitam ao conteúdo inicialmente revelado do pedido original.

EXEMPLO

Por exemplo, vamos supor que a reivindicação de um pedido de patente trate de um: “Dispositivo compreendendo: um lápis; uma borracha fixada a uma extremidade do lápis; um efeito luminoso fixado próximo ao cento do lápis”. Agora, considerando que o depositante protocolou uma emenda voluntária antes do requerimento de exame, de modo a substituir a referida reivindicação pelo seguinte:

Reivindicação original

Reivindicação emendada

1. Dispositivo compreendendo: um lápis; uma borracha fixada a uma extremidade do lápis; um efeito luminoso fixado próximo ao cento do lápis

1. Dispositivo compreendendo: um lápis; uma borracha fixada a uma extremidade do lápis, um efeito luminoso fixado próximo ao centro do lápis e uma tampa removível fixada a uma extremidade do lápis

Considerando-se que o elemento adicional da tampa (sublinhado) está fundamentado no relatório descritivo do pedido original, pode-se afirmar que a referida emenda está restringindo o escopo de proteção do referido pedido, estando, logo, em conformidade com o disposto no Art. 32 da LPI.

Destaca-se também que acréscimos e limitações devem estar fundamentados no relatório descritivo original, caso contrário, é configurado uma situação de acréscimo de matéria ao pedido original, sendo tal situação vetada pelo referido artigo. Além disso, o INPI entende que alterações voluntárias que objetivam corrigir ou reduzir o escopo de proteção inicialmente reivindicado, não se submeteriam ao limite temporal estabelecido pelo Art. 32 da LPI, ou seja, podem ser feitos tais emendas a qualquer momento, conforme estabelecido pela Resolução N° 093/2013.

INTERPRETAÇÃO DO ART. 32 DA LPI, SEGUNDO O INPI

É importante explorar a interpretação do referido artigo pelo INPI, a qual está baseada no disposto na Resolução n° 093/2013, diretiva atual de aplicação do Art. 32 da LPI, elaborada no Parecer INPI/PROC/CJCONS/ nº 012/2008. Dito isso, o INPI estabelece que:

  1. Após a solicitação de exame do pedido de patente não serão aceitas emendas voluntárias do QR que levem à ampliação da matéria reivindicada. São aceitas, no entanto, modificações no QR, voluntárias ou resultantes de exame técnico (despachos 6.1 ou 7.1), desde que estas sirvam, exclusivamente para restringir a matéria reivindicada e não alterem o objeto pleiteado.
  2. Até a solicitação do exame do pedido de patente serão aceitas alterações no relatório descritivo, QR (mesmo que seja para ampliar a matéria reivindicada), resumo, desenhos (se houver), listagem de sequência (se houver), desde que limitadas à matéria inicialmente revelada.
  3. As alterações que objetivem corrigir inequívoco erro material de digitação ou tradução serão aceitas a qualquer momento do processamento do exame do pedido de patente, não se submetendo ao limite temporal disposto no artigo 32 da LPI. Estas alterações, porém, devem estar suportadas pela matéria constante: (1) no documento de prioridade (se houver); (2) no relatório descritivo; (3) no resumo, (4) nos desenhos, se houver; (5) no depósito internacional, se houver; (6) na listagem de sequência, se houver; (7) no depósito de material biológico, ou (8) no QR.
  4. Alterações apresentadas pelo Requerente, de forma a adequar as reivindicações às disposições da Resolução PR nº 17/2013 (antigo Ato Normativo 127). Exemplos não exaustivos incluem: (a) ausência da expressão caracterizante, (b) erro quanto às relações de dependência entre as reivindicações, (c) inclusão de referências numéricas aos desenhos, poderão ser aceitas por economia processual (conforme o disposto no artigo 220 da LPI).

RESUMINDO

De forma mais sucinta, o INPI entende que não são válidas emendas voluntárias que alterem ou ampliem o quadro reivindicatório nos pedidos de patentes após o requerimento de exame. No entanto, o referido órgão federal também entende que emendas voluntárias com o único propósito de restringir a matéria pleiteada inicialmente, mesmo após o requerimento de exame do pedido de patente, são permitidas durante o processamento do pedido de patente.

Segue abaixo o entendimento do INPI:

“Assim, o escopo da proteção reivindicada quando da solicitação do exame do pedido de patente não pode ser ampliado após esta data. Nesse sentido, após a solicitação do exame do pedido de patente, o examinador não poderá propor em seu parecer que elementos presentes no relatório descritivo e não reivindicados originalmente sejam trazidos para o quadro reivindicatório, caso essa inserção venha ampliar o escopo da matéria reivindicada. Da mesma forma, tampouco pode o requerente aproveitar-se de um cumprimento de exigência para fazer esta inserção, ampliando o escopo da reivindicação (Grifos nossos; conforme Resolução n° 093/2013).”

Adicionalmente, conforme dito anteriormente, a data limite de requerimento de exame não esgota a possibilidade de o depositante alterar o QR do seu pedido de patente. O Art. 35, IV e o Art. 36 da LPI dispõem que exigências técnicas podem ser protocoladas em casos de descumprimento do pedido às condições estabelecidas pela LPI.

ART. 35 E 36 DA LPI

“Art. 35. Por ocasião do exame técnico, será elaborado o relatório de busca e parecer relativo a:

I – patenteabilidade do pedido;

II – adaptação do pedido à natureza reivindicada;

III – reformulação do pedido ou divisão; ou

IV – exigências técnicas.

Art. 36. Quando o parecer for pela não patenteabilidade ou pelo não enquadramento do pedido na natureza reivindicada ou formular qualquer exigência, o depositante será intimado para manifestar-se no prazo de 90 (noventa) dias.” (grifos nossos)

Dessa forma, torna-se possível a reformulação do pedido para a adequação do pedido às condições e requisitos de patenteabilidade em casos de exigências técnicas, definidos na referida lei, desde que tal reformulação não incorra em adição de matéria, ampliação ou alteração do escopo de proteção do pedido de patente. Por fim, não é cabível, em qualquer hipótese, a realização de emendas após a concessão da patente.

INTERPRETAÇÃO DO ART. 32 DA LPI, SEGUNDO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Uma dúvida que pode ter surgido na mente do caro leitor é a seguinte: dado que o Art. 32 assegura a realização de emendas voluntárias até a data de requerimento de exame, como o INPI permite que depositantes realizem emendas voluntárias após esta data com único e exclusivo propósito de reduzir o escopo de proteção inicialmente pleiteado?

Segundo o entendimento da MPF, esta interpretação dada pelo INPI, além de violar a literalidade do Art. 32 da LPI, viola também a “autoridade da coisa julgada na presente Ação Civil Pública” (FERREIRA, 2019). Segundo o MPF, o entendimento do INPI para o referido artigo é danoso para o sistema de proteção de patentes, dado que tal configuração cria no mercado uma “insegurança jurídica quanto à possibilidade/viabilidade econômica dos concorrentes explorarem invenções e modelos de utilidade similares” (Ribeiro & Rodrigues, 2019).

Portanto, é consenso do MPF o dever de o INPI proibir qualquer alteração voluntária após o pedido de exame, seja para aumentar ou para reduzir o escopo de proteção do pedido de patente. O INPI, em sua manifestação contra o pedido do MPF, defendeu o seguinte:

“a consequência imediata de tal adoção se refletiria no indeferimento quase que automático de praticamente todos os pedidos de patente apresentados ao Instituto. Fato este altamente comprometedor e contrário a qualquer política industrial, política pública ou política de acesso pela sociedade brasileira dos bens de consumo hoje disponíveis no mercado”.

VEREDITO

Em vista de tais argumentações por parte de cada lado, o poder judiciário se mostrou a favor da Resolução n° 093/2013 na ação de cumprimento de sentença em 21/02/2019, argumentando que a referida resolução “não parece despropositada, enfrentando na verdade uma realidade prática e tentando evitar que ela traga mais malefícios para nossa indústria” (Ribeiro & Rodrigues, 2019).

Dessa forma, o poder judiciário entende que a interpretação dada pelo INPI quanto à aplicação do Art. 32 deve prevalecer, sendo possível, portanto, a redução do escopo de proteção do pedido de patente após o requerimento de exame.

Por fim, Ribeiro & Rodrigues discorre o seguinte:

“Neste contexto, não há dúvidas de que as repercussões da futura decisão final naquele requerimento de cumprimento de sentença afetarão o sistema de patentes como um todo e demarcará os limites de atuação da iniciativa privada em nosso Estado Democrático de Direito, especialmente sob o ponto de vista concorrencial, bem como delimitará as bases de um novo padrão para o desenvolvimento tecnológico e econômico de todas as áreas da indústria.

Ou seja, a Ação Civil Pública versa sobre questão que possui, também, nítido interesse público, sendo que a decisão final quanto ao requerimento do MPF deverá ser acompanhada de perto, de forma que seja possível medir as consequências de eventual decisão de deferimento – ou seja, eventual decisão que impeça toda e qualquer alteração após o requerimento de exame de pedido de patente, ainda por cima com a extensão ex tunc dos efeitos, abarcando emendas outrora aceitas pelo INPI.” (Ribeiro & Rodrigues, 2019)

CONCLUSÃO

Conforme é sabido, o quadro reivindicatório de uma patente é a parte mais importante de um pedido de patente, pois é por meio dele que se estabelece e se delimita a proteção conferida a uma invenção (Art. 25 e 41 da LPI), podendo o QR ser considerado como o coração de uma patente (MAGALHÃES, 2016). Não são raras as situações em que é necessário a alteração do quadro reivindicatório, seja por falha na tradução do documento, seja por interesse do depositante em restringir ou melhor esclarecer a matéria do QR em vista de um documento relevante que pode ser utilizado contra a patenteabilidade da sua invenção.

Assim, o Art. 32 representa um avanço para o sistema de patentes, de modo a beneficiar os depositantes a reduzir ou até ampliar o escopo de proteção do seu pedido, desde que tais emendas estejam enquadrados nos limites, principalmente temporais do referido artigo.  

O MNIP conta com um corpo técnico qualificado e experiente para depósitos de pedidos de patentes, acompanhamento do pedido junto ao INPI, elaboração de estratégias de respostas aos despachos, consultoria para elaboração de estratégias e respostas ao INPI e muito mais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

L5772. Planalto.gov.br. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5772.htm>. Acesso em: 11 out. 2022.

BORGES BARBOSA, Denis. DEPARTAMENTO DE DIREITO Pós Graduação em Direito da Propriedade Intelectual Certificado de Adição de Invenção: Seu Papel no Atual Sistema Patentário Brasileiro por Luana Anastácia Muniz de Barros Orientador. [s.l.: s.n.], 2011. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/17459/17459.PDF>. Acesso em: 11 out. 2022.

FERREIRA, Mona Lisa Leal. Análise histórica, sistemática e jurisprudencial da aplicação do artigo 32 da Lei de Propriedade Industrial. 2019. 62 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. [s.l.: s.n.], 2013. Disponível em: <https://www.gov.br/inpi/pt-br/backup/legislacao-arquivo/docs/resolucao_093-2013__artigo_32_1.pdf>. Acesso em: 11 out. 2022.

MAGALHÃES, A. Manual de redação de patentes. Salto: Schoba, 2016, pg. 99

RIBEIRO, C. R. & RODRIGUES, R.C. Breve estudo da evolução interpretativa do art. 32 da
lei da propriedade industrial e dos desafios atuais na aceitação de emendas após o
requerimento de exame de pedidos de patente, 2019. Disponível em https://www.dartsip.com/evolucao-interpretativa-do-art-32/. 

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