O que são licenças compulsórias?

Licenças compulsórias podem privar temporariamente o titular de uma patente do seu direito de monopólio temporário para exploração da tecnologia no território em que a carta patente foi expedida.

Tal exclusividade de exploração tem como objetivo principal premiar quem investiu na tecnologia e, assim, incentivar o investimento em novas tecnologias.

Toda patente também tem uma finalidade coletiva no sentido de contribuir para o bem-estar e para o desenvolvimento de sociedade que venha a acessar sua tecnologia. É a este pano de fundo político-coletivo que as licenças compulsórias estão associadas.

O que são licenças?

De acordo com o dicionário Michaelis, “licença”, em seu conceito mais amplo, significa:

“1. Autorização dada a alguém para fazer ou deixar de fazer alguma coisa.”

O mesmo dicionário define ainda o conceito de licença aplicado ao contexto das patentes:

“4. Autorização dada, por pessoa ou autoridade detentora de alguma patente de invenção, a outra pessoa ou entidade para explorar a respectiva invenção: A empresa obteve do inventor a licença para comercializar seu produto em larga escala.”

Fica claro a partir das definições acima que o objetivo de um contrato de licença é autorizar terceiros, ou seja, pessoas físicas ou jurídicas que não são o titular da patente, a explorar comercialmente determinada tecnologia, mesmo durante a vigência da patente.

Existem dois tipos principais de licenças no contexto de patentes: as licenças voluntárias e as licenças compulsórias.

Licenças voluntárias são acordos celebrados por vontade do titular. Já as licenças compulsórias são concedidas sem a autorização do titular, por razões e sob as condições que serão exploradas a seguir.

As licenças compulsórias

De acordo com o livro As Licenças Compulsórias de Direitos de Propriedade Industrial, de Vitor Palmela Fidalgo, pode-se definir tais licenças da seguinte forma:

“Licença compulsória ‘diz respeito à prática de um Governo em autorizar a si próprio ou a terceiros o uso do objeto da patente, sem autorização do detentor do direito, por razões de políticas públicas’ ”. (p. 23-24).

O mesmo livro enumera ainda quais os principais objetivos de uma patente, conforme indicado abaixo:

“I. Quando o Estado atribui uma patente ou outro direito sobre uma invenção, está a atribuir um exclusivo ao seu titular – temporalmente limitado – que tem quatro propósitos já bem conhecidos pela doutrina:

– Reconhecer o esforço intelectual;

– Premiar o inventor por esse esforço;

– Incentivar a investigação e a inovação (inventividade);

– Promover a divulgação e disseminação do conhecimento tecnológico.” (p. 18)

Partindo dos objetivos inerentes ao sistema de patentes, fica evidente o esforço em balancear os interesses público e privado. Nesse sentido, tais licenças surgem como uma das ferramentas para tentar manter o referido balanço em condições adversas, sejam elas a não exploração de uma tecnologia ou a necessidade de acesso ampliado em caso de algum tipo de emergência.

Quando não se explora suficientemente uma invenção, ou seja, quando ela não chega devidamente à sociedade, ou quando há algum tipo de emergência que aumenta muito a demanda por dada tecnologia, é possível recorrer às licenças compulsórias.

A origem da instituição

As licenças compulsórias surgiram no Reino Unido para mitigar medidas tomadas para os casos de patentes que não eram exploradas, ou seja, que não saíam do papel. Isso porque, naquele contexto, patentes não exploradas eram simplesmente invalidadas, fazendo com que todos os direitos de exclusividade fossem perdidos irreversivelmente.

Nesse sentido, as licenças compulsórias surgiram em uma tentativa de abrandar uma medida que era tomada nos primórdios da existência do sistema de patentes no Reino Unido.

Com o passar do tempo, o conceito de licença compulsória começou a ser pauta no cenário internacional. A partir disso, começaram os esforços para regular e harmonizar este conceito do sistema de patentes.

Em 1958, enviou-se o tema para inclusão na CUP, mas sem sucesso. Mais tarde no acordo Trips, então, as licenças compulsórias foram primeiramente previstas e suas bases foram positivas.

Licenças compulsórias no cenário internacional

No acordo Trips, o termo “licenciamento compulsório” não chega a aparecer, sendo o instituto indiretamente abordado no Art. 31 por meio da expressão “outro uso”. Dentre os outros usos possíveis estão o uso por governos motivado por seus fins.

Licenças compulsórias são temporárias e o titular da patente deve receber retribuição predeterminada relativa aos investimentos na tecnologia patenteada. Após a finalização do tempo da licença compulsória, o titular volta a ter exclusividade de exploração da invenção.

É importante destacar que o uso pelo governo e o licenciamento compulsório de forma geral devem sempre levar em conta uma série de condições, uma vez que precisa-se respeitar os interesses do detentor da patente.

Sem definições mais específicas sobre as condições para ocorrência do licenciamento compulsório nos acordos internacionais, a maior parte dos países tem regras particulares para a conceção de licenças compulsórias, como é o caso do Brasil.

As licenças compulsórias na lei brasileira

Os artigos 68 a 74 da Lei Brasileira de Patentes (Lei Nº 9.279, de 14 de maio de 1996 – a LPI), tratam do tema de licenças compulsórias. O Art. 68, que abre a seção, diz o seguinte:

 “Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.”

Ainda, são previstos os seguintes cenários para potencial conceção de licenças compulsórias:

“Art. 70. A licença compulsória será ainda concedida quando, cumulativamente, se verificarem as seguintes hipóteses:

        I – ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação a outra;

        II – o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à patente anterior; e

        III – o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para exploração da patente anterior.”

A lei também prevê a conceção de licenças compulsórias em caso de emergência nacional ou internacional, interesse público declarado em lei ou em ato do Poder Executivo, ou reconhecimento de estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional.

Há que se destacar também situações em que concessão da licença compulsória não pode ser uma realidade, conforme observa-se no Art. 69 abaixo:

“Art. 69. A licença compulsória não será concedida se, à data do requerimento, o titular:

        I – justificar o desuso por razões legítimas;

        II – comprovar a realização de sérios e efetivos preparativos para a exploração; ou

        III – justificar a falta de fabricação ou comercialização por obstáculo de ordem legal.”

Por se tratar da perda, mesmo que temporária, de um direito adquirido, alguns apontam as licenças compulsórias como fator que pode desencorajar e enfraquecer o sistema de PI como um todo.

Ocorre, no entanto, que mesmo uma lei bastante permissiva como a do Brasil no que tange o tema de licenças compulsórias, observa-se a necessidade de seguir-se requisitos rigorosos a fim de pleitear uma licença compulsória.

As licenças compulsórias na prática

Apesar da existência do instituto, não são numerosos os casos de concessão de licenças compulsórias. A maioria dos casos em que isso ocorre inclusive é no campo da saúde, particularmente no contexto de acesso a medicamentos.

A concessão da primeira licença compulsória da história do Brasil, por exemplo, foi para o tratamento da AIDS em 2007. O referido medicamento teve patente concedida no Brasil sob o número PI1100250-6 (correspondente europeu EP0582455). Após isso, somente em 2021 o tema voltou à tona, dessa vez relacionado ao COVID-19.

Note que, mesmo diante de uma pandemia com a magnitude da COVID-19, o tema de licenciamento compulsório ainda não é consensual. Isso indica o cuidado que se tem para aplicação desse instituto, colaborando para a manutenção da segurança jurídica do sistema de propriedade industrial.

Conclusão

O objetivo final de obter-se uma licença deve sempre iniciar com a tentativa de se obter uma licença voluntária. Nesse sentido, apesar da existência das licenças compulsórias, sua aplicação não é demasiadamente frequente.

Este fato ajuda a manter a confiança no sistema de patentes e, assim, continuar a incentivar a inovação por meio da premiação concedida por ele, qual seja o monopólio temporário sobre determinada tecnologia.

Os casos mais comuns de concessão de licenças compulsórias são relacionados ao acesso a medicamentos.

Caso queira saber mais sobre o tema ou tenha uma invenção que deseja proteger, entre em contato conosco!

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