Patentes farmacêuticas: Como proteger seu novo medicamento

AS PATENTES SÃO CRUCIAIS PARA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Uma das indústrias que mais deposita pedidos de patentes é certamente a farmacêutica. Esse posicionamento não é mero acaso, mas sim parte crucial da estratégia de mercado das empresas do ramo. É justamente através do monopólio garantido pelas patentes que as farmacêuticas asseguram o retorno dos enormes montantes de capital intrínsecos ao processo de desenvolvimento de um novo medicamento. Indo mais além, podemos dizer que a indústria farmacêutica moderna é dependente de patentes.

PROTEÇÃO DA INVENÇÃO E QUADRO REIVINDICATÓRIO

Dado o papel central desse instrumento de proteção de propriedade intelectual, é de se esperar que as estratégias de patenteamento sejam sofisticadas e diversas. A elaboração de tais estratégias está intimamente ligada ao desenho dos limites de proteção de uma patente, sendo estes determinados por uma parte especial do texto patentário chamada de Quadro Reivindicatório.

Segundo o disposto na Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei N° 9.279), as reivindicações podem ser divididas em duas grandes categorias, as reivindicações de produto e de processo. No caso particular das invenções farmacêuticas, essas categorias podem ser ainda subdivididas em outras subcategorias, incluindo compostos, composições, combinações, uso, processos de produção, formulações entre outros. Neste artigo, apresentaremos alguns dos principais tipos de reivindicações usados em pedidos de patente de invenções farmacêuticas e como usá-los de forma adequada.

REDIGINDO REIVINDICAÇÕES DE UM MEDICAMENTO

Ao pensarmos no desenvolvimento de um novo medicamento, o componente que primeiro nos à mente é o princípio ativo. Muitos inclusive são mais conhecidos que o nome dos próprios medicamentos, como é o caso paracetamol, ibuprofeno, amoxicilina, dipirona e penicilina.  A importância dos princípios ativos vem do fato destes serem os responsáveis pela ação biológica dos medicamentos. Ora pois, se precisarmos proteger um medicamento, por que não escrever reivindicações que protejam especificamente o princípio ativo?

Imagine que inventamos um novo medicamento para o tratamento da doença Y e que queremos escrever uma reivindicação que proteja o princípio ativo (composto X) do medicamento. Uma formulação mais imediata e tentadora seria:

Composto X caracterizado pelo fato de que é usado para tratamento da doença Y.

PROBLEMAS E PROIBIÇÕES DAS REIVINDICAÇÕES FARMACÊUTICAS

À primeira vista parece que a reivindicação acima parece proteger exatamente o que precisamos. No entanto, existem dois grandes problemas com reivindicações como esta:

1) Definição do composto X em termos de seu uso

O primeiro é que, a reivindicações define o composto X em termos de seu uso, não descrevendo de forma clara ou precisa a estrutura química ou qualquer outra característica deste. Ou seja, o texto da reivindicação é insuficiente para descrever e habilitar a reprodução do composto X. Pense, por exemplo, como você faria se te pedissem para reproduzir um bolo e a única informação fornecida é que este é saboroso. Fazendo o paralelo com o composto X, seria impossível reproduzir dito composto apenas baseado no fato de que este é usado para tratamento da doença Y. Podemos dizer que a reivindicação acima não apresenta o que se chama de suficiência descritiva

Sobre o tema, as Diretrizes de Exame de Patentes na Área de Química de 2017 nos ensina que:

“reivindicações independentes que definem um composto por sua aplicação ou uso, como, por exemplo, “Composto caracterizado por ser usado para X” ou “Composto Y caracterizado por ser usado para X” não são aceitas, na medida em que representam uma indefinição quanto à matéria a ser protegida, contrariando o art. 25 da LPI”

2) Reivindicação de método terapêutico

O segundo problema, esse já mais grave, é que o texto reivindicatório é enquadrado pelo INPI como método terapêutico, sendo essa uma matéria não patenteável segundo inciso VIII da Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei N° 9.279).

Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:

VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal;

O enquadramento da reivindicação exemplo desse artigo fica explícito nas Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente – Bloco II (Resolução 169 de 2016):

1.29 Os seguintes formatos de reivindicações são considerados como métodos terapêuticos: 

o tratamento de condição médica Y caracterizado pela administração da substância X; 

o uso da substância X caracterizado por ser para tratar uma condição médica Y. 

“Substância X para utilização em método terapêutico” ou “Substância X para uso no tratamento da condição médica Y” também são considerados métodos terapêuticos. 

No entanto, as reivindicações no formato convencionalmente chamado de fórmula suíça “Uso de um composto de fórmula X, caracterizado por ser para preparar um medicamento para tratar a doença Y” não são consideradas método terapêutico.

PENSANDO ESTRATÉGIAS PARA DESVIAR DA PROIBIÇÃO

Tomando em consideração o exposto acima, fica evidente que a reivindicação proposta não seria aceita pelo INPI, pois o texto “Composto X caracterizado pelo fato de que é usado para tratamento da doença Y” será interpretado como uma reivindicação de método terapêutico.

Para desviar dos problemas acima, e ainda assim conseguir proteger um composto desejado, é possível recorrer a duas estratégias:

  1. Definir o composto segundo suas características físicas e químicas, colocando o uso no tratamento como característica adicional; ou
  2. Formular a reivindicação segundo a chamada fórmula suíça.

ESTRATÉGIA I: USO DO NOVO MEDICAMENTO EM TRATAMENTO COMO CARACTERÍSTICA ADICIONAL

Ao implementar a primeira estratégia, teríamos uma reivindicação escrita da seguinte forma:

“Composto X caracterizado pelo fato de que apresenta [especificar características físicas e/ou químicas],

sendo que dito composto X é usado no tratamento da doença Y.”

No exemplo acima, o composto X deve ser definido por diferente características, como:

  • Estrutura química;
  • Nomenclatura IUPAC;
  • Propriedades físico-químicas, tais como pH em água, solubilidade;
  • Propriedades biológicas, tal como especificidade de ligação a determinada proteína ou receptor biológico.

Preferencialmente, a definição do composto X deve ser feita com base nas duas primeiras características (Estrutura química e Nomenclatura IUPAC), sendo as demais usadas como acessórias. Em casos excepcionais, um composto até poderia ser descrito apenas com base nos dois últimos critérios, mas geralmente tal abordagem não é aceita pelo INPI.

ESTRATÉGIA II: FÓRMULA SUÍÇA

A segunda estratégias é escrever as reivindicações segundo a fórmula suíça, na qual o composto X é definido da seguinte forma (vide item 1.29 da Resolução 169):

“Uso de um composto de fórmula X, caracterizado por ser para preparar um medicamento para tratar a doença Y”

De forma semelhante à primeira estratégia, essa modalidade de reivindicação requer que o composto seja definido, preferencialmente, por sua estrutura química (fórmula) ou nome IUPAC. No entanto, note que existe uma diferença importante quanto ao escopo de proteção entre os dois tipos de reivindicação. A rigor, as reivindicações de fórmula suíça (estratégia II) protegem um processo, enquanto as de composto (estratégia I) protegem um produto.

Em outras palavras, a fórmula suíça delimita um escopo de proteção que recai sobre o uso do composto no processo fabril de produção de um medicamento, enquanto nas reivindicações de compostos a proteção recai sobre o composto em si (vide item 3.76 da Resolução 124 de 2013):

3.76 Ressalta-se que este tipo de reivindicação confere proteção para o uso, mas não confere proteção ao método terapêutico, o qual não é considerado invenção de acordo com o inciso VIII do art. 10 da LPI. Reivindicações do tipo “Uso para tratamento”, “Processo/Método para tratamento”, “Administração para tratamento” ou seus equivalentes correspondem a reivindicações de método terapêutico e, portanto, não são consideradas invenção de acordo com o inciso VIII do artigo 10 da LPI.

Entendimento da LPI para reivindicações envolvendo um medicamento

Dito isso, o escopo de proteção de uma reivindicação segundo a estratégia II não fica limitado ao uso do composto no processo de produção. Isso pois, reivindicações de processo também protegem o produto (no caso, o medicamento) resultante de tal processo. Esse entendimento está baseado no Art. 42 da LPI, que estabelece:

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:

I – produto objeto de patente;

II – processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.

Por esse motivo, a reivindicação por fórmula suíça se apresenta como alternativa de proteção igualmente robusta a da primeira estratégia. A diferença no escopo de proteção entre as duas estratégias se dá em relação à exploração comercial do composto que antecedo a produção de um medicamento. Exemplos que se enquadram nessa situação são o uso, venda, importação e produção do composto antes do uso na produção de um medicamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a proteção via patente de novos compostos e medicamentos não é um assunto trivial. Diversos aspectos legais e técnicos devem ser tomados em conta para que se defina um escopo de proteção que proteja de forma adequada o novo invento. Duas dessas estratégias foram apresentadas neste artigo, contudo, existem ainda muitas outras subcategorias de reivindicações de produtos e processos que podem ser utilizadas, tal como reivindicações de segundo uso, composições farmacêuticas, reivindicações de Markush e muitas outras.

A definição da melhor estratégia de proteção deve sempre ser feita com acompanhamento por um time multidisciplinar, integrando conhecimento técnico e jurídico.

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