Posso patentear um método cirúrgico?

Métodos cirúrgicos, métodos terapêuticosmétodos de diagnóstico, procedimentos estéticos, tratamentos faciais, cirurgias plásticas, procedimentos odontológicos, métodos de acupuntura, quiropraxia e massagens,  são patenteáveis? Posso patentear no Brasil ou no exterior esses métodos?

Resposta: não, os métodos cirúrgicos, terapêuticos e afins não são patenteáveis no Brasil e em virtualmente todos os países do mundo.

No ordenamento brasileiro, a fundamentação dessa resposta está no inciso VIII do artigo 10 da LPI, (lei 9279 de 1996) e nos artigos 8° 9° e 15 da mesma lei: 

Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:

        I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;

        II – concepções puramente abstratas;

        III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;

        IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;

        V – programas de computador em si;

        VI – apresentação de informações;

        VII – regras de jogo;

        VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Art. 9º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.

Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.

Note que, a lei coíbe não apenas a o patenteamento de métodos cirúrgicos e terapêuticos de aplicação humana, mas também os métodos de uso veterinário.

canal-youtube

 

É interessante notar que apesar dos artigos 8, 9 e 15 definirem que tem de haver aplicação industrial para que um objeto seja patenteável, a doutrina dá elasticidade a esse termo, incluindo nessa concepção de indústria atividades extrativistas e agropecuárias, por exemplo. Mesmo assim, mesmo assumindo a expressão “aplicação industrial” em seu sentido lato, a doutrina não atribui elasticidade suficiente a esse termo para incluir nele os serviços relacionados à área da saúde realizados diretamente sobre o corpo paciente humano ou animal. 

Esta mesma disposição está prevista no TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), um acordo internacional que visa harmonizar as legislações de propriedade industrial de seus países signatários (vide Artigo 27-3-A do TRIPS):

ARTIGO 27 Matéria Patenteável 1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. […] 3. Os Membros também podem considerar como não patenteáveis: a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais;

DA DOUTRINA SE EXTRAI:

A exclusão a que se refere esse artigo [ Art 10-viii da lei 9279 de 96 ] está, basicamente, em harmonia com o texto do Acordo Trips (art. 27 3.A).

Não é pacífico, no entanto, o entendimento de que estas matérias não constituem invenção por definição e a exclusão aqui deve ser creditada mais a um posicionamento filosófico do que conceitual, inclusive porque o código de 1971 não excluía a possibilidade de executar uma técnica ou método em escala, deve-se considerar que o requisito de aplicabilidade industrial está presente. 

As técnicas operatórias ou cirúrgicas tiveram sua proteção praticamente descartada enquanto os métodos que os métodos de diagnóstico executados fora do corpo humano ou animal são entendidos como podendo ser patenteados. Além disso, os respectivos aparelhos não estão incluídos na proibição, assim como não deve ser excluída a patenteabilidade de um processo que compreende, entre diversas de suas etapas, uma ou mais etapas de cirurgia terapêutica ou diagnóstico praticadas no corpo humano ou animal, ficando excluídas tão somente essas etapas per se.(Comentários à Lei de propriedade industrial – 3ª Edição – Instituto Dannemann Siemens de Estudos Jurídicos – Ed Renovar)

DA CASUÍSTICA DO INPI SE EXTRAI:

Parecer 1 do INPI (parecer 7.1): indefere a reivindicação 13 do pedido de patente PI0201526-9, por considerá-la enquadrada no artigo 10 – VIII da LPI (vide decisão na íntegra): 


13. Método para girar uma sonda de biópsia sobre o eixo geométrico longitudinal da mesma que compreende as etapas de:

a. proporcionar uma sonda de biópsia que compreende um elemento de perfuração alongado dotado de uma extremidade distal afiada e um orifício proximal ao mesmo, e um cortador tubular alongado disposto coaxialmente e deslizavelmente dentro da luz do referido elemento de perfuração, o referido cortador dotado de uma lâmina de corte fixada a extremidade
distal do mesmo;

b. cobrir o referido orifício do referido elemento de perfuração ao avançar o referido cortador para a primeira posição distal;

c. inserir a referida sonda dentro do paciente;
d. expor o referido orifício ao referido elemento de perfuração ao retirar o referido cortador para a primeira posição proximal, e após dispor o tecido dentro do referido orifício;

e. dispor a amostra de tecido dentro do referido cortador ao girar e avançar o referido cortador para a referida posição distai proximal;

f. girar o referido elemento de perfuração em um predeterminado número de graus ao avançar o referido cortador para uma segunda posição distal, distal à referida primeira posição distal, e após girar o referido cortador
um predeterminado número de graus para afetar a rotação do referido elemento de perfuração; e

g. retirar o referido cortador para a segunda posição proximal que é proximal à referida primeira posição e retirar a amostra de tecido.

Parecer 3 do INPI (parecer 7.1): diz o seguinte: ” As reivindicações dependentes 2, 3 e 17 tratam de um implante cirúrgico ou kit e se referem a um suporte para tecido pélvico, suporte uretral, suporte uretral ou suporte de prolapso vaginal, o que pode indicar uma técnica terapêutica para aplicação no corpo humano ou animal, em desacordo com o Art. 10 inciso VIII da LPI.” (vide decisão na íntegra): 

1. Implante cirúrgico, caracterizado pelo fato de compreender materiais de implante unidos por um rebite polimérico, o rebite polimérico sendo localizado dentro de aberturas dos materiais e estendendo-se de uma 5 superfície do implante através de uma espessura de pelo menos um dos materiais.

2. Implante de acordo com a reivindicação 1, caracterizado pelo fato do implante ser um suporte para tecido pélvico. 3. Implante de acordo com a reivindicação 1, caracterizado 1 O pelo fato do implante ser selecionado de um suporte uretra!, um suporte retal e um suporte de prolapso vaginal.

3. Implante de acordo com a reivindicação 1, caracterizado 1 O pelo fato do implante ser selecionado de um suporte uretra!, um suporte retal e um suporte de prolapso vaginal.

17. Kit de acordo com a reivindicação 16, caracterizado pelo 15 fato do implante ser selecionado de um suporte uretral, um suporte retal e um suporte de prolapso vaginal.

Interessante notar que, o examinador não enquadra a reivindicação 1 no inciso VIII do Artigo 10 da LPI. Possivelmente ele enquadra a reivindicação 2, 3 e 17 nessa objeção porque elas são análogas às reivindicações de segundo uso (as reivindicações de “fórmula suíça”) que atualmente costumam ser concedidas pelo INPI e não constituem entrave à anuência prévia da ANVISA.

Parecer 3 do INPI (parecer 7.1): parecer bastante vago, fundamenta o indeferimento do pedido de patente com base em falta de atividade inventiva (Art 8 e 13 da LPI), falta de fundamentação das reivindicações no descritivo (Art. 25 da LPI) e enquadramento no artigo 10 da LPI (vide decisão na íntegra). Provavelmente, o enquadramento no artigo 10 da LPI se deve à seguinte revindicação do documento:

27. Método cirúrgico, compreendendo: a) obter um conjunto cirúrgico dotado de uma agulha oca com um diâmetro externo de 3 mm ou menor e uma extremidade distal afiada, e um instrumento cirúrgico que tem um eixo que se estende através da referida agulha oca, o referido instrumento cirúrgico e móvel em relação à referida agulha oca e incluindo extremidades executoras na extremidade do referido eixo, as quais são orientadas para uma posição aberta; b) com a referida extremidade executora em uma posição fechada, usar a referida extremidade distal afiada da referida agulha oca para inserir uma parte distal do referido conjunto cirúrgico dentro de uma cavidade de um paciente; o) mover para frente o referido instrumento cirúrgico em relação a referida agulha para fazer as referidas extremidades executoras se estenderem para fora da referida agulha e para abrir automaticamente uma em relação à outra; d) mover a referida extremidade executora sobre um objeto na cavidade; e) mover para frente a referida agulha em relação à referida agulha para fazer as referidas extremidades executoras se fecharem sobre o referido objeto. 

AS EXCEÇÕES:

Aparelhos cirúrgicos, aparelhos de diagnóstico, medicamentos, métodos de diagnóstico in vitro, métodos de diagnóstico realizado no âmbito de um laboratório, tudo isso é considerado patenteável de acordo com a jurisprudência sólida do INPI.

 

Via de regra, todo procedimento realizado no âmbito de uma indústria, de um laboratório de diagnóstico ou de um laboratório farmacêutico é patenteável (desde que atenda aos demais requisitos da LPI). O que a LPI sempre irá coibir é a concessão de patentes para atividades médicas realizadas dentro do âmbito hospitalar, sobretudo aquelas atividades realizadas diretamente sobre o corpo do paciente. 

Algo que,  a nosso ver, estaria situado na zona cinza de todas essas definições é o trabalho do médico patologista, que apesar de ser realizado em laboratório — ou seja, fora do âmbito hospitalar — não parece empregar artifícios e ferramentais suficientes para ser entendido como atividade industrial. Portanto, até que a casuística e doutrina provem o contrário, entendemos que as atividades desse profissional em específico também estão contidas no artigo 10 – VIII da LPI.  

Vide documentos concedidos com estes escopos de proteção:

Anticorpo para diagnóstico in vitro:

REIVINDICAÇÃO 1 de PI0716983-31 – Anticorpo humano isolado, ou fragmento de ligação ao antígeno do mesmo, capaz de reconhecer e se ligar a um epítopo da subunidade HA2 da proteína hemaglutinina de influenza (HA), caracterizado 5 pelo fato de que apresenta atividade neutralizante contra um vírus influenza compreendendo HA do subtipo H5, tal como H5N1, H5N2, H5N8 e H5N9, e em que o anticorpo ou o fragmento de ligação ao antígeno do mesmo compreende uma região variável da cadeia pesada compreendendo os aminoácidos 1-121 da SEQ ID NO: 65, e uma região variável da cadeia leve 10 compreendendo os aminoácidos 1-112 da SEQ ID NO: 91.  PI0716983-3

Método para diagnóstico in vitro:

REIVINDICAÇÃO 1 de PI0210903-41 – Método para avaliação da progressão do estado de um indivíduo que sofre de uma infecção bacteriana respiratória ou de bacteremia pneumocócica, caracterizado pelo fato de que compreende as etapas de: (a) realizar in vitro uma medição do nível de um ou mais marcadores selecionados do grupo consistindo em (i) receptor de ativador de plasminogênio de uro-quinase (uPAR), (ii) receptor de ativador de pias-minogênio de uroquinase solúvel (suPAR), e (iii) um ou mais produtos de degradação de (i) ou (ii), em cada uma de um número de amostras de fluido biológico oriunda de um indivíduo, sendo que as ditas amostras são obtidas em pontos de tempo diferentes, e (b) comparar os valores de medição obtidos, sendo que a diminuição nos níveis em relação ao tempo indica uma melhora no estado do indivíduo. PI0210903-4

Dispositivo para uso em cirurgias:

REIVINDICAÇÃO 1 de BR122014017011-4. 1 – DISPOSITIVO PARA CIRURGIA OCULAR, configurado para conter um fluido que não o ar entre uma lente focalizadora (64) e a córnea de um olho durante o tratamento deste, dito dispositivo sendo caracterizado pelo fato de compreender: – um anel de sucção (2), que pode ser posicionado sobre um olho a ser tratado (18), compreendendo uma primeira região de sucção (4) que é configurada para aspirar dito anel no olho (18) mediante o provimento de vácuo primeira região de sucção; e – um elemento de contenção (50) que é formado integralmente com dito anel de sucção ou acoplável ao anel de sucção por meios mecânicos ou por vácuo, o dito elemento de contenção compreendendo um eixo longitudinal e um espaço interior (66) para receber o fluido, em que o elemento de contenção compreende uma parede (52) que se estende em torno do eixo longitudinal desde uma primeira extremidade axial (56) até uma segunda extremidade axial (58) de dito elemento de contenção, a dita parede fecha lateralmente dito elemento de contenção, e em que uma primeira abertura (60) para introduzir dito fluido para dentro do espaço interior e uma segunda abertura (82) para saída do espaço interior são providas na parede, em que as duas aberturas estão dispostas axialmente não alinhadas uma em relação à outra na parede. BR122014017011-4

IMAGEM ADAPTADA DE JAFAR AHMED DE Unsplash

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *