O Art. 8 da Lei de Propriedade Industrial Brasileira, a LPI, define os três requisitos básicos à patenteabilidade de patentes de invenção, sendo eles: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
O presente artigo visa discorrer sobre este terceiro requisito em seus pormenores, de modo a fornecer uma visão clara e completa sobre o que se entende sobre aplicação industrial, segundo o INPI.
Aplicabilidade industrial no Art. 15 da LPI
O Art. 15 da LPI melhor define o conceito de aplicação industrial. Isso porque, o referido artigo determina que uma invenção atende ao requisito de aplicabilidade industrial quando a referida invenção é passível de ser utilizada em qualquer tipo de indústria, conforme exposto abaixo:
“Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria.” (Grifos nossos)
Segundo o INPI, deve-se entender sobre a aplicação industrial com a devida flexibilidade quanto ao seu significado. Diante disso, esta compreensão deve abranger todos os ramos da atividade produtiva, incluindo desde indústrias de manufatura, agricultura, extrativismo até indústrias relacionadas com a prestação de serviços.
De acordo com a doutrina:
“a definição do que se entende por aplicabilidade industrial é mais clara na Lei do que no código de 1971. Neste último, uma invenção era considerada suscetível de aplicação industrial quando pudesse ser fabricada ou utilizada industrialmente. Apesar de que, mesmo então, não se interpretasse de forma restritiva o que se deveria entender como “industrialmente”, este artigo elimina eventuais dúvidas neste sentido, estipulando que “indústria” deve ser interpretada em seu sentido mais amplo, como qualquer ramo de atividade produtiva. Esta nova definição está mais de acordo com previsão semelhante contida no art. 1, 3) da Convenção de Paris.” (Grifos nossos; Livro Comentários à Lei de Propriedade Industrial – IDS – 3ª Ed, pg. 47)
Restrições quanto à aplicação industrial
Embora o conceito de aplicação industrial seja abrangente em demasia, observa-se que limitações ao entendimento deste conceito são também necessárias a fim de que a compressão de aplicação industrial não recaia no Art. 10 da LPI, conforme abaixo:
“Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V – programas de computador em si;
VI – apresentação de informações;
VII – regras de jogo;
VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.”
Portanto, antes de analisar se determinada invenção atende ou não ao requisito de aplicação industrial, torna-se primeiramente necessário considerar se a matéria que se deseja proteger esta enquadrada como invenção ou não.
Dito isso, o atendimento da aplicabilidade industrial está enraizado nos seguintes pilares: repetibilidade, utilidade e plausibilidade.
1) Repetibilidade
Primeiramente, por repetibilidade, entende-se que a referida invenção é reproduzível em escala por qualquer interessado, sendo que o resultado desejado deve ser alcançável previsivelmente em qualquer número de vezes, e de maneira substancialmente idêntica e independentemente do acaso (BARBOSA, 2015). Dito isso, o atendimento ao disposto no Art. 15 da LPI está inerentemente relacionado com o fato da invenção ser repetitiva.
Dessa forma, o conceito de aplicação industrial não deve ser aplicado para atividades privadas e pessoais sem caráter repetitivo, como observa-se em atos religiosos e artísticos. Vamos supor, por exemplo, o seguinte método:
“1. Método para hidratar a pele de um indivíduo por meio do uso de hidratantes…”
Embora tal método não se enquadre no Art. 10 da LPI, o que o torna uma invenção, pode-se afirmar que esta invenção não pode ser patenteada, pois o objeto de proteção não atende ao requisito de aplicação industrial. Isso porque, tal invenção está não está sendo aplicada em atividades físicas dotadas de repetibilidade, restringindo-se somente a um caráter pessoal e individual.
Adicionalmente, as Diretrizes para o Exame de Pedidos de Patente nas Áreas de Biotecnologia e Farmacêutica depositados após 31/12/1994 discorre o seguinte:
“2.36.11 Métodos contraceptivos em seres humanos não são enquadrados como método terapêutico, uma vez que não curam nem previnem qualquer tipo de doença, no entanto, não são patenteáveis por serem considerados não suscetíveis de aplicação industrial, uma vez que são aplicados em caráter privado e pessoal.”
2) Utilidade
Diante do fato de que indústrias existem para fornecerem produtos e serviços úteis e vantajosos frente a outras concorrentes, mostra-se necessário que invenções tenham o objetivo de resolver um problema do estado da técnica e que trazem consigo ganhos objetivos e palpáveis a quem se beneficia de determinada tecnologia (MAGALHÃES, 2016). Ainda, entende-se por “indústria”, qualquer atividade física de caráter técnico, ou seja, qualquer atividade produtiva que pertença às artes úteis ou práticas. Logo, uma invenção deve revelar claramente um uso prático do que se pretende reivindicar, de modo a atender a este requisito da aplicação industrial.
Para uma invenção que revela novas sequências biológicas, por exemplo, este requisito de aplicação industrial somente é atendido quando a matéria que se deseja reivindicar estiver relacionada com o uso prático desta nova sequência biológica, por exemplo, uso, composição, kit de diagnóstico, dentre outros. Em contraste, uma invenção que revela novas sequências genéticas sem a associação de uma função/utilidade para as mesmas não é dotada de aplicação industrial. Isso porque, o simples sequenciamento de sequências biológicas por si não resolve nenhum problema do estado da técnica, não sendo suficiente para atender ao disposto no Art. 15 da LPI.
Diante disso, pode-se afirmar que objetos de proteção relacionados à concepções puramente abstratas, indicações especulativas e métodos de negócios, por exemplo, não atendem ao requisito de atividade industrial, tampouco pode ser consideradas invenções (MAGALHÃES, 2016).
3) Plausabilidade
Cabe destacar que os ensinamentos de uma invenção devem ser completos, de modo a permitir que um técnico no assunto consiga atingir o resultado desejado da invenção, conforme disposto no Art. 24 da LPI. Dessa forma, invenções que contrariam as leis da natureza, ou invenções que revelam ensinamentos insuficientes para chegar-se nos resultados desejados, não atendem ao critério de aplicação industrial pelo único motivo de serem irreprodutíveis na prática, contrariando os demais requisitos supracitados, isto é, repetibilidade e utilidade (BARBOSA, 2015). Em outras palavras, invenções que são operáveis de uma maneira contrária às leis de física estabelecidas, por exemplo, são aquelas que não apresentam aplicação industrial.
Vamos supor, por exemplo, o seguinte:
“1. Água destilada caracterizada pelo fato de que respira e transpira (…)”
Conforme dito anteriormente, esta invenção não é plausível, o que, por sua vez, carece de aplicação industrial, devido ao fato de ser fisicamente impossível tal situação ocorrer.
Uso de exemplos e testes no relatório descritivo
Cabe destacar que a LPI apenas exige que determinada invenção seja suscetível de aplicação industrial, não sendo impostas avaliações, testes de conceitos ou testes práticos. Embora testes e exemplos configuram-se em elementos comumente presentes no relatório descritivo de diversas invenções, vale ressaltar que o uso de tais artifícios é facultativo, segundo as Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente, Capítulo II, Art. 2.
Tais ferramentas, apesar de não serem obrigatórias, representam meios de convencimento que o titular da invenção utiliza para comprovar que sua solução técnica é real, e de que a não obviedade alegada existe (BARBOSA, 2015).
Meu pedido de patente atende ao requisito de aplicação industrial?
Em vista dos tópicos supracitados, uma estratégia comumente utilizada para aumentar a probabilidade de sua invenção estar em acordo com o Art. 15 da LPI é a seguinte:
- Uma invenção deve ser aplicada em atividades físicas de caráter técnico e ser dotada de repetibilidade;
- A invenção deve conter um objetivo principal/utilidade da matéria a ser reivindicada em seu relatório descritivo;
- A invenção deve revelar os meios e formas de alcançar o objetivo proposto, conforme definido em qualquer reivindicação; e
- Um técnico no assunto deve conseguir atingir o objetivo proposto durante a realização de qualquer reivindicação da invenção.
Cumprindo com tal estratégia, entende-se que a sua invenção possui maiores chances de atender com o requisito de aplicação industrial, o que, por sua vez, aumenta a probabilidade da sua invenção ser patenteada.
A escolha pela melhor forma de proceder com a proteção do seu invento após depósito de um primeiro pedido de patente é um assunto delicado e que merece muita atenção. A busca por um especialista técnico que entenda da tecnologia e do sistema de patentes é indispensável! O MNIP oferece todo o suporte para te ajudar a fazer essa escolha.
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Referências bibliográficas:
MAGALHÃES, A. Manual de Redação de Patentes. Salto: Schoba, 2016, pg. 10 a 50.
STANDING COMMITTEE ON THE LAW OF PATENTS – WIPO. “INDUSTRIAL APPLICABILITY” AND “UTILITY” REQUIREMENTS:
COMMONALITIES AND DIFFERENCES, 9° sessão, 2003, pg. 2 a 3.
IP Australia. Patent Manual of Practice and Procedure – 1.3.8.6.3 Industrial Applicability, 2020.
PRV: The Swedish Intellectual Property Office. Industrially Applicable.
International Bureau. The Practical Application of Industrial Applicability/Utility Requirements Under National and Regional Laws.
Revista de Propriedade Intelectual – Direito Constitucional e Contemporâneo. DA UTILIDADE INDUSTRIAL COMO REQUISITO DAS PATENTES, v. 9, n. 2, p. 41–66, 2015.
IDS – INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEN DE ESTUDOS JURIDICOS E TECNICOS. Comentários à Lei de Propriedade Industrial, 3ª Ed, pg. 47